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Quotas Preferenciais

11 de fevereiro de 2019

 

Por Vitor de Menezes Venancio Martins / Antonio Carlos C. Mazzucco

Após muita discussão entre doutrina[1] e a prática[2] a respeito da emissão de quotas preferenciais por sociedades limitadas, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) publicou, em 02 de março de 2017, por meio da Instrução Normativa n.º 38 (“IN 38/17”), a nova redação do Manual de Registro de Sociedades Limitadas, para permitir, entre outras coisas[3], a emissão de quotas preferenciais para as sociedades limitadas.

As alterações da IN 38/17, que entraram em vigor em 02 de maio de 2017, são demandas que o mercado há muito tempo requer das autoridades competentes, de modo que as alterações realizadas visam permitir a elaboração de arranjos societários mais complexos e flexíveis, alinhados com as características das sociedades anônimas (aproximando-se das características anteriores à promulgação do Código Civil, privilegiando a liberdade de contratar dos sócios).

Apesar de diversas alterações trazidas pela IN 38/17, nesta oportunidade, vamos destacar a autorização das sociedades limitadas para emitir “quotas preferenciais”, sendo os demais temas tratados em outras oportunidades.

As discussões referentes à possibilidade ou não de emissão de quotas preferenciais iniciaram-se a partir da vigência do novo Código Civil, que:

  • elegeu o caráter de sociedade de pessoas (intuitu personae), para as sociedades limitadas, que privilegia o princípio de uma quota e um voto (Art. 1.010 do Código Civil). Apesar de ter privilegiado o intuito personae o novo Código Civil, em nenhum momento, proibiu em qualquer de suas disposições legais, a emissão de quotas preferenciais; inclusive, há disposição que permite a criação de quotas iguais ou desiguais (Art. 1.055 do Código Civil); e
  • revogou o Decreto n.º 3.708/19, que permitia a emissão de quotas preferenciais, em razão de privilegiar a autonomia da vontade dos sócios, desde que respeitados os limites legais.

A análise do posicionamento das Juntas Comerciais demonstrará que a incerteza a respeito do tema não é algo recente, sendo o assunto e a interpretação a ele dada, debatido e modificado, no decorrer dos anos.

Antes da promulgação do Código Civil, as juntas comerciais admitiam a emissão de quotas preferenciais. Por exemplo, a JUCESP, em 20 agosto de 1981, reconhecia, por meio dos Pareceres 71/78 e 137/81, a possibilidade de emissão de quotas preferenciais.

Após a promulgação do Código Civil, o então Departamento Nacional de Registro de Comércio (“DNRC”), substituído atualmente pelo DREI, editou a Instrução Normativa n.º 98/2003 que vedou expressamente a emissão de quotas preferenciais em sociedades limitadas, de modo que as Juntas Comerciais do país, recusavam o arquivamento de atos e contratos sociais com a estipulação de emissão de quotas preferenciais.

Atualmente, com o novo posicionamento do DREI, por meio da IN 38/17, as Juntas Comerciais do país devem uniformizar o seu entendimento, sendo permitido o registro de atos e contratos sociais com a estipulação de quotas preferenciais aos seus sócios.

Outro ponto, não menos importante, é que os contratos sociais de sociedades limitadas que emitam quotas preferenciais não terão necessidade de descreverem em sua redação a regência supletiva pela Lei de Sociedade Anônimas, Lei n.º 6.404, de 15 de novembro de 1976, (“LSA”), uma vez que as Juntas Comerciais considerarão, de forma presumida, a regência supletiva pela referida lei, desde que haja quaisquer elementos da LSA.

Em relação ao acima exposto, parece haver uma imprecisão do ponto de vista técnico-jurídico, qual seja, o confronto entre a norma disposta no Art. 1.053 do Código Civil[4] e a inserção, pela IN 38/17, da regência supletiva às limitadas pelas normas de regência da sociedade anônima. O referido artigo estabelece que as sociedades limitadas se regem, nas omissões do respectivo Capítulo, pelas normas de sociedade simples e não pelas normas de sociedade anônima. Desta forma, o DREI ao presumir, de ofício, que a regência das sociedades limitadas se dará pelas regras das sociedades anônimas – quando houver elementos atinentes à LSA – ao invés das sociedades simples, ignora o referido dispositivo legal, e legisla, sem competência para tanto. Essa questão poderia ter sido deixada para regulação entre os próprios sócios.

Como é de conhecimento geral, o DREI, como órgão administrativo, não possui competência para legislar, sendo sua competência restrita à verificação de aspectos formais relativos aos documentos a serem levados a registro e às proibições de arquivamento[5]. Ou seja, não é competência do DREI introduzir ou restringir, por meio de instruções normativas, questões legais que devem ser tratadas pela legislação em vigor, cabendo ao DREI a verificação dos aspectos formais dos atos e contratos sociais levados a registro, como já mencionado.

Lembramos que há projetos de lei em votação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados que poderiam, vez por todas, solucionar essa questão. A seguir detalhamos esses projetos legais que pretendem tornar legal a emissão de quotas preferenciais por sociedades limitadas, quais sejam, (i) no Senado Federal, o Projeto de Lei nº 487/2013 de autoria do Senador Renan Calheiros, também, prevê expressamente a autorização à criação de quotas preferenciais às sociedades limitadas; (ii) na Câmara dos Deputados, há projeto de emenda ao Projeto de Lei do Novo Código Comercial[6], a Emenda nº 192/2013, que prevê expressamente a criação de quotas preferenciais.


[1] Salles, Denise Chachamovitz Leão – Das Quotas Preferenciais, em AZEVEDO, Luis André N. de Moura. CASTRO, Rodrigo R. Monteiro (Coordenação). Sociedade Limitada Contemporânea. São Paulo: Quartier Latin, 2013.

[2] DNRC, Instrução Normativa n.º 98/2003.

[3] Dentre as alterações destacamos: EIRELI ter como único sócio sociedade empresária nacional e estrangeira, as sociedades limitadas poderão (i) emitir de quotas com valor desigual (sem valor nominal), manter quotas em tesouraria, adquirir suas próprias quotas e, caso utilize quaisquer características das sociedades anônimas, o órgão registral presumirá que a sociedade será regência supletiva pela Lei n.º 6.404, de 15 de novembro de 1976 (“LSA”)

[4] Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

[5] Artigos 53 e 54 do Decreto nº 1.800, de 30 de janeiro de 1996, e artigo 35 da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994

[6] Projeto de Lei n.º 1572/2011 do Deputado Vicente Cândido

 

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