30/08/2021
Por Guilherme Martins e Fabiana Porta
Em 2009, o estado de São Paulo publicou o Decreto 54.177/2009 que estabeleceu regime de substituição tributária quanto ao recolhimento do ICMS sobre energia elétrica no âmbito do mercado livre de energia, atribuindo nova redação aos §§ 2º e 3º do art. 425 do Regulamento do ICMS, determinando que as distribuidoras de energia recolham o ICMS também sobre o valor da energia diretamente contratada pelos consumidores perante as comercializadoras.
Em decorrência da substituição tributária criada, a ABRACEEL (Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica) ajuizou ação alegando a inconstitucionalidade no que diz respeito à substituição tributária, uma vez que houve a violação aos princípios da legalidade geral e tributária, pois a tal medida não deveria ser instituída por Decreto.
O decreto, de acordo com a ABRACEEL, fere, também, os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa, pois os consumidores precisariam informar à distribuidora o valor da energia contratada com as comercializadoras, assim como, viola o equilíbrio federativo, pois cabe à União legislar sobre energia, conforme artigos arts. 1º e 22, IV, da Constituição Federal.
No que diz respeito à substituição tributária, ponto mais relevante da ação ajuizada, sabe-se que a energia adquirida no ambiente livre é contratada exclusivamente por agentes concessionários, permissionários e autorizados de geração, comercializadores, importadores e exportadores de energia e consumidores livres. O Decreto, no entanto, atribui responsabilidade tributária a terceiro não participante do Ambiente de Contratação Livre- ACL, isto é, as distribuidoras de energia, nesse ambiente de negociação possuem função exclusivamente de distribuição da energia transacionada entre os agentes livres.
Ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade, a Relatora, Ministra Ellen Gracie, reconheceu a procedência da ação, tendo em vista que a substituição tributária deve ser feita apenas e tão somente por meio de lei em sentido estrito, nos termos dos arts. 5º, inc. II e 150, inc. I da CF.
No que diz respeito à prestação de informações do valor devido, cobrado ou pago de energia elétrica à Secretaria da Fazenda, o entendimento disposto no acórdão é de que o conhecimento do preço praticado pelo agente de distribuição, que não atua nas relações de compra e venda de energia elétrica no ACL, por seus concorrentes, contraria os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência previstos no art. 170 da Constituição da República.
A decisão da relatora, ainda, descreve que compete à União legislar sobre energia elétrica, contrariando, portanto, o art. 22, inc. IV da Constituição da República.
Em que pese o alegado pelo Estado de São Paulo, de que o recolhimento do ICMS feito pela comercializadora ou pela geradora enseja evasão fiscal devido ao grande número de comercializadoras e geradoras de energia, é certo que todos os contratos, tanto do mercado regulado quanto do mercado livre, possuem registro na Câmara de Comercialização de Energia – CCEE, e, por isso, o controle fiscal das operações, estaduais ou interestaduais, podem ser obtidas por meio da CCEE, permitindo o devido controle pelo Estado.
Importante observar que, atualmente, os votos que acompanharam a relatora do processo não estão integralmente disponíveis, sequer ocorreu a publicação do julgamento, muito menos ocorreu a publicação na integralidade do voto vencedor e do voto vencido.
Diante disso, muita especulação tem sido gerada no mercado. Importante destacar que o julgamento, a nosso entender, corretamente coibiu a conhecida substituição paralela, isto é, terceiro na relação jurídica sendo obrigado a ser o responsável pela obrigação de pagar o tributo.
No entanto, o mercado se tornou afoito em afirmações categóricas, desde o preço da energia terá aumento, até afirmações negacionistas de que não há qualquer efeito a decisão de declarar inconstitucional o artigo do decreto bandeirante.
Neste momento, o que podemos afirmar é que o custo de observância das obrigações tributarias será incrementado nas empresas que não observavam a existência da incidência do ICMS nas operações de compra e venda de energia elétrica.
Também, em nosso entendimento, será observado uma procura maior pelo mercado de derivativos de energia, ao menos em tese, diante do fato de que nas operações financeiras não há incidência da hipótese tributária, o custo de observância tributária desaparece com relação ao SEFAZ/SP, pois nestas operações não existe a circulação da mercadoria (energia), estimulando de toda sorte a opção de agentes que atuam como especuladores no mercado de comercialização a partirem para instrumentos adequados.