O que caracteriza “a perda de uma chance”

Por: Luiz Gustavo Doles

Em operações de fusões e aquisições (“M&A”), há uma questão de extrema relevância no que diz respeito à concretização de negócios no geral: a possibilidade de indenização pela perda de uma chance.

Trata-se de tema bastante abstrato, o que faz com que a utilização de um caso prático seja um bom meio de entender quando este dever de indenizar se manifesta. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou pedido de indenização a um grupo brasileiro que negociava a venda de duas de suas empresas com investidores americanos. A companhia nacional pleiteava os gastos que teve com advogados e consultoria especializada durante as tratativas e valores referentes à “perda da chance” – por ter deixado de atender outros interessados no negócio. As negociações se estenderam por dois anos e consistiam na venda integral de empresas do setor de distribuição de produtos químicos, avaliadas em mais de R$ 100 milhões[1].

No momento de ingressar com a ação, os brasileiros argumentaram que os investidores tiveram acesso completamente amplo às informações sociais e estratégicas, possuindo conhecimento de toda a gama de clientes, negócios e gerência das sociedades, demonstrando grande interesse na compra, além de exigir exclusividade no negócio.

Passados dois anos, alegaram no processo, ter recebido um comunicado noticiando, “de forma abrupta e injustificada”, o encerramento das tratativas pois os investidores teriam efetuado a compra de uma outra empresa situada no Brasil que atuaria no mesmo segmento de mercado.

O valor da indenização, calculado em torno de R$ 16,5 milhões, se daria principalmente porque os investidores demonstravam que o negócio seria fechado, e as extensas negociações associadas a uma cláusula de exclusividade na venda teriam gerado a perda da chance “efetiva e real” de um negócio nas mesmas condições e em uma época em que a economia do país era favorável ao mercado.

Com isso, os desembargadores da 2ª Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP analisaram a matéria a partir de duas questões: a responsabilidade contratual, levando em consideração os documentos assinados e a extracontratual, através de fatos e do comportamento das partes durante a negociação.

Havia a prova material de que as empresas brasileiras se apoiavam em uma troca de e-mails para provar que os investidores haviam feito uma proposta de compra. Através dessa troca de e-mail entre as partes, foi provado que havia uma cláusula na carta de intenções ao negócio prevendo que até o contrato definitivo não haveria qualquer obrigação legal, nem aos brasileiros nem aos americanos, com relação à operação. Além disso, também foi concluído que a retirada dos investidores da negociação, decorreria da frustração do negócio e do consequente abuso e quebra de confiança, ofendendo a boa fé dos contratantes.

Já o advogado da parte norte americana, alegou a importância da decisão por preservar o mercado de M&A por essas transações serem estruturadas geralmente de uma mesma forma.

Vale ressaltar que a decisão do TJ-SP tem relevância não só pelo desfecho do caso em si, que privilegia o que foi acertado em contrato, mas também por alertar para a importância da comunicação entre as partes durante o período de negociação.

Portanto, o principal ponto em análise é o argumento utilizado pela requerente para motivar a indenização, ou seja, a “perda de uma chance”.

Este princípio pode ser definido para fins de conceder indenizações a este título quando há um efetivo prejuízo patrimonial decorrente da impossibilidade de algum fato ocorrer futuramente que, contudo, ainda gera algumas dúvidas no momento de sua aplicação.

Assim, nos casos em que um contrato preliminar (memorando), não estabelecer obrigações até o fechamento do contato definitivo, não se pode falar em perda de uma chance, já que pela própria natureza jurídica, as operações de M&A possuem uma dinâmica extremamente volátil, que pode mudar suas características incontáveis vezes ao longo do desenvolvimento do negócio.

Há que se respeitar o que foi celebrado em contrato, não deixando lacunas para que a parte que se sentiu prejudicada por um fato que é habitual no mundo dos negócios, se aproveite da situação lícita, para angariar uma indenização pela perda de uma possível e remota chance. Além disso, a chance que fora perdida precisa ser relevante e comprovável, não sendo possível se valer de especulações. O caso apresentado mostra um mercado aquecido no qual a empresa teria alta probabilidade de ser adquirida, fato comprovável com, por exemplo, apresentação de levantamentos de M&As realizados durante o período junto a empresas similares.

Portanto, faz-se necessária e essencial uma assessoria experiente em negociações para possibilitar que os anseios das partes envolvidas em uma operação de M&A sejam superados, tornando-se possível evitar, ou amenizar, os aborrecimentos decorrentes de uma tentativa de negócio frustrado.


[1] Processo: 0005452-31.2013.8.26.0100, relator CARLOS ALBERTO GARBI, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial/ TJSP.

Com a colaboração de Andreia Carvalho.

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