Por Vitor Antony Ferrari e Ivan Kubala – 30/06/2020
A Lei de Recuperação Judicial prevê inúmeros meios legítimos para que as empresas que se socorram a esta ferramenta possam se reestruturar, preservando suas atividades e almejando a retomada de seu crescimento com a finalidade de superar a momentânea crise econômico-financeira em que se encontram.
Não é à toa que e legislação prevê um rol exemplificativo de meios para recuperação judicial (artigo 50 da Lei nº 11.101/05), possibilitando à empresa devedora valer-se das mais variadas estratégias para superação da crise em que se encontra, desde que sejam sempre observadas as normas legais pertinentes a cada caso.
Assim, podemos citar como exemplos mais comuns a reestruturação das dívidas por meio da implementação de prazos, deságios e parcelamentos, a mudança na gestão da empresa, dação em pagamento, supressão de garantias, dentre outros.
Contudo, muitas vezes as empresas precisam também da aplicação de recursos em sua operação para fomentar e retomar suas atividades, bem como para cumprir suas obrigações. Porém, diante de sua condição de Recuperanda, encontram dificuldades em conseguir o capital necessário pelos meios mais recorrentes (empréstimos bancários), principalmente na atual situação em que o país se encontra, resultado da pandemia do COVID-19.
Nestes casos o processo recuperacional também apresenta mecanismos úteis e vantajosos, como é o caso do financiamento DIP, bem como da alienação de Unidades Produtiva Isoladas.
A Unidade Produtiva Isolada (UPI) está prevista nos artigos 60, 140 e 166 da Lei nº 11.101/05, e embora não esteja conceituada na legislação em referência, tanto para doutrina quanto para jurisprudência consiste em uma multiplicidade de ativos, desde ativos físicos (imóveis e equipamentos, por exemplo) a ativos intangíveis (marcas e patentes por exemplo) que muitas vezes por não apresentarem mais utilidade para a empresa em crise podem ser reunidos em um “pacote” para alienação a outras empresas, permitindo assim a entrada de recursos que poderão ser utilizados tanto na modalidade capital de giro quanto para pagamento de credores e cumprimento de obrigações assumidas pela Recuperanda.
Portanto a primeira vantagem desta ferramenta encontra-se em sua versatilidade, ou seja, pode ser constituída pelos mais variados ativos.
A segunda vantagem da UPI, característica singular e que reflete o sucesso deste meio de recuperação, consiste na ausência de sucessão do passivo pelo adquirente, ou seja, o objeto da venda será livre de qualquer obrigação, sendo certo que os Tribunais Superiores já consolidaram entendimento de que o comprador da unidade produtiva isolada não sucederá o vendedor em suas obrigações civis, trabalhistas e fiscais[1].
Este posicionamento, aliás, é reflexo da própria legislação que prevê que “o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta lei”[2].
Vale mencionar que o dispositivo que prevê a não sucessão já foi, inclusive, objeto de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade[3], tendo passado pelo crivo do Colendo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal.
Além disto, o Tribunal Superior do Trabalho, na mesma linha que o STF e o STJ, também vem consolidando seu posicionamento favorável à ausência de sucessão de obrigações trabalhistas na venda da Unidade Produtiva Isolada, sendo certo que recentemente a sua Sexta Turma, por unanimidade, reconheceu que o arrematante de UPI em processo de recuperação judicial não tem responsabilidade pelas obrigações do devedor[4].
Vale ressaltar que o precedente em comento esclareceu, ainda, que a responsabilidade do sucessor se limita ao período pós arrematação da UPI, de modo que eventuais créditos trabalhistas decorrentes de desligamentos ocorridos posteriormente à alienação deverão ser perseguidos contra a empregadora anterior, no que tange ao valor relativo ao período anterior à arrematação, e o arrematante apenas poderá ser responsabilizado pelo valor correspondente ao período de trabalho posterior à arrematação.
Destarte, o TST dirimiu controvérsia que ainda pairava sobre o tema em questão, tornando a alienação de UPI num instrumento sólido, seguro e eficaz contra a crise que acomete as empresas em recuperação judicial.
Deve-se observar, contudo, as exigências legais para que a sucessão seja afastada, ou seja, é recomendável que as UPIs estejam identificadas e discriminadas no plano de recuperação judicial, para que possam ser objeto de deliberação dos credores, bem como que sua alienação ocorra por meio de uma das modalidades previstas no art. 142 da Lei n. 11.101/05, sob pena de ser afastada tal prerrogativa.
A jurisprudência tem, portanto, agregado força e segurança a esta ferramenta, em harmonia ao objetivo primordial da recuperação judicial, consistente na preservação da empresa, por meio da superação da momentânea crise financeira por ela enfrentada, visando à manutenção de empregos, a proteção dos interesses de credores e a preservação da função social da empresa.
Logo a alienação de UPI se destaca dentre os meios de recuperação judicial por ser absolutamente legítima, versátil e segura, tanto para a empresa em recuperação quanto para o comprador que adquirirá a unidade livre de quaisquer ônus, não havendo sucessão do adquirente no que se refere ao passivo tributário e trabalhista da Recuperanda.
Nossa equipe possui ampla experiência na elaboração de planos de recuperação judicial que preveem a alienação de ativos por meio de Unidades Produtivas Isoladas (UPI) e se encontra a disposição para orientar seus clientes quanto as vantagens deste meio de recuperação que vem se destacando no cenário atual.
[1] AGRG CCC 97.732-RJ, STJ e AGRG CCC 112.638-RJ, STJ
[2] art. 60, § Único, da Lei n. 11.101/05
[3] ADIn 3.934-2 DF
[4] RR-20218-39.2016.5.04.0782