Por Guilherme Martins
O Projeto de Lei nº 4.458/2020, que altera a Lei de Falências, foi recentemente (25/11) aprovado pelo Plenário do Senado Federal e, agora, depende apenas da sanção presidencial para ser promulgado.
Caso não seja vetada, a chamada Nova Lei de Falências (“NLF”) estabelecerá diversas alterações nos procedimentos relativos à recuperação judicial e falência das empresas, como já pontuado em recente artigo produzido por nosso escritório.
Sob o ponto de vista tributário, as alterações também são sensíveis, conferindo a NLF maior poder ao Fisco para influenciar o destino da recuperação judicial, ao passo que também estabelecerá mecanismos visando estimular a regularização fiscal no contexto da recuperação judicial.
Adiante, sintetizamos os principais impactos, sob o ponto de vista tributário, que a NLF trará, caso sancionada nos termos em que aprovada pelo Legislativo.
Parcelamento de débitos administrados pela Fazenda Nacional
Número de parcelas: até 120 (cento e vinte);
Natureza do débito: tributária ou não tributária, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa; e
Data do fato gerador: débito existente até a data do protocolo da petição inicial da recuperação judicial
Utilização de prejuízo fiscal, saldo negativo de CSLL e créditos próprios no parcelamento
Embora não possibilite qualquer redução sobre multa e juros, o parcelamento permite a utilização de até 30% (trinta por cento) da dívida consolidada com a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL.
Ainda, é possibilitado ao contribuinte liquidar o mesmo percentual da dívida consolidada (30%) com outros créditos próprios relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (“RFB”). Tal mecanismo pode representar importante instrumento às empresas que, muitas vezes, possuem relevantes créditos decorrentes de ações antiexacionais, cuja utilização costuma ficar restrita às parcelas vincendas de suas obrigações tributárias perante a RFB.
Em ambas as situações, o montante remanescente poderá ser quitado em até 84 (oitenta e quatro) parcelas.
Possibilidade de adesão a parcelamentos extraordinários
A NLF também traz a possibilidade de o contribuinte em recuperação judicial aderir a programas de parcelamentos extraordinários ou migrar seus débitos já parcelados nos moldes previstos pela legislação para tais programas especiais.
O fato de tal ponto constar expressamente no PL traz segurança jurídica sobre as possibilidades tributárias dos contribuintes em recuperação judicial, afastando eventuais questionamentos ou dúvidas sobre a aplicabilidade de regimes especiais de parcelamentos de débitos a empresas em tais condições.
No entanto, ainda que optem pela adesão / migração a um parcelamento extraordinário, deverão as empresas firmar termo de compromisso, comprometendo-se a cumprir as seguintes condições:
- fornecimento à RFB e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) de informações bancárias, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros;
- amortizar o saldo devedor do parcelamento com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período de vigência do plano de recuperação judicial;
- manter a regularidade fiscal; e
- proceder ao cumprimento regular das obrigações para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (“FGTS”).
Parcelamento de débitos não constituídos e parcelas vincendas
O contribuinte também poderá parcelar débitos ainda não vencidos (até a data do protocolo do pedido de recuperação judicial) com a Fazenda Nacional, em até 24 (vinte e quatro) vezes. Para microempresas e empresas de pequeno porte, o prazo-limite poderá ser até 20% superior.
Transação tributária
Alternativamente ao parcelamento dos débitos, o contribuinte cujo processamento da recuperação judicial tiver sido deferido poderá submeter à PGFN proposta de transação relativa aos débitos já inscritos na Dívida Ativa da União.
Neste caso, os seguintes critérios foram delimitados:
Número de parcelas: até 120 (cento e vinte);
Natureza do débito: inscrito em Dívida Ativa da União; e
Reduções: até 70% (setenta por cento) do valor total atualizado do débito.
A exemplo do quanto observado em relação ao parcelamento, há diversos compromissos que devem ser assumidos perante a PGFN como condição de eficácia da transação tributária no contexto da recuperação judicial. São eles:
- fornecimento de informações bancárias, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros;
- manter a regularidade fiscal;
- manter certificação de regularidade perante o FGTS; e
- demonstrar a ausência de prejuízo decorrente do cumprimento das obrigações contraídas com a celebração da transação em caso de alienação ou de oneração de bens ou direitos integrantes do respectivo ativo não circulante.
Ainda, é facultado aos Estados, Municípios e Distrito federal estabelecer transação tributária nas mesmas condições supra em relação aos débitos por eles administrados.
Competência para a substituição de constrições decorrentes de débitos fiscais
Em harmonia ao entendimento jurisprencial dominante, a NLF estabelece que cabe ao juízo da recuperação judicial “determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens essenciais à manutenção da atividade empresarial”, ainda que estas decorram de débitos de natureza tributária, o que deve se dar mediante “cooperação jurisdicional” com o juízo da execução fiscal.
Neste ponto, anda bem a NLF, na medida em que fixa expressamente os limites das competências dos juízos da recuperação judicial e da execução fiscal em relação aos débitos tributários. Não raras vezes, o alto grau de intersecção entre as competências fixadas aos referidos juízos acaba trazendo indejáveis embaraços, impactando a gestão do passivo fiscal em execução.
Poderes ao fisco federal para requisitar a falência da empresa
Por fim, chama a atenção a disposição contida no inciso IV do § 4º-A, do art. 10-A a ser acrescido à Lei nº 10.522/2002, segundo a qual, uma das consequências da exclusão do parcelamento previsto na NLF é “a faculdade de a Fazenda Nacional requerer a convolação da recuperação judicial em falência”.
Sem entrar no mérito da possibilidade de intepretação extensiva do referido dispositivo em relação aos parcelamentos extraordinários e à transação tributária – o que, a despeito de nossa discordância, pode ser objeto de questionamentos e demandas futuras – parece pouco atrativo aos contribuintes a adesão a um parcelamento tributário sem qualquer redução, tendo como contrapartida a concessão de poderes à PGFN, a depender de critérios discricionários, de requisitar a sua falência em caso de incorrer em quaisquer das causas de exclusão do parcelamento.
Na prática, tal condicionante, justamente por implicar em claro desiquilíbrio entre a adesão ao parcelamento ordinário da NLF frente a outras modalidades de (re)negociação da dívida fiscal existentes, tende a afastar eficácia normativa do dispositivo em questão.
Ainda, o estabelecimento de tal possibilidade somente em relação à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional revela-se anti-isonômico, na medida em que, por ausência de previsão legal, as procuradorias dos fiscos municipais ou estaduais que forem credores da empresa em recuperação judicial não disporão das mesmas prerrogativas, ainda que os créditos destas possuam exatamente a mesma natureza daqueles administrados pela PGFN.
Tal fato ilustra algumas das falhas técnicas observadas em alguns trechos da NLF.
Conclusões
Ao mesmo passo em que a NLF traz importantes alterações no sentido de estimular a conformidade fiscal, esta peca ao estabelecer condições demasiadamente rígidas em relação a alguns pontos dos mecanismos de regularização previstos, o que vai de encontro ao que deveria ser o espírito da norma: estabelecer condições que permitam a recuperação da empresa e a manutenção de suas atividades.
Sob este viés, parte dos instrumentos idealizados pelo PL podem ter sua eficácia mitigada.
Por fim, sob o aspecto técnico e formal, reavaliações ao texto da NFL seriam bem-vindas, sobretudo no que toca às questões de natureza tributária.