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Contratos de Compra e Venda de Participação Societária.

16 de novembro de 2022

Por: Antonio Mazzucco e José Henrique Torres

Este artigo tem por finalidade detalhar as cláusulas e condições comumente em contratos de compra e venda de ações ou cotas sociais. Não é objetivo deste artigo detalhar cada uma dessas cláusulas e condições, mas apenas dar uma visão geral aos profissionais que lidem com isso no dia a dia e não tenham formação jurídica.

Os Contratos de Compra e Venda de Participação Societária (vamos denominá-lo pela sigla “SPA” ou Share Purchase Agreement) são celebrados entre um comprador e vendedor(es) de participação societária de uma empresa-alvo. Pelo SPA, o vendedor concorda em vender e o comprador concorda em comprar um número específico de ações ou cotas por um preço especificado e conforme demais termos e condições acordados. O SPA tem por objetivo formalizar um acordo mútuo, por escrito, desses termos e condições.

Quando um comprador adquire a totalidade ou parte significativa das ações de uma empresa-alvo, deve ter em conta que a sociedade possui ativos e passivos e que os passivos podem afetar a avaliação de valor feita pelo comprador. O SPA pode ou não conter cláusulas que reduzam a exposição do comprador a esses passivos cujo valor o vendedor estaria obrigado a indenizar. Dessa qualquer maneira, uma transação de M&A é sempre precedida por uma due diligence (“DD”), que pode ser mais ou menos extensa. A due diligence tem por finalidade não apenas identificar eventuais passivos e contingências, mas também obter informações importantes sobre o vendedor (em especial sua liquidez e capacidade para dispor dos seus ativos) e sobre a empresa objeto da aquisição, tais como sua base real de ativos (ativo imobilizado, contratos, finanças, recursos humanos e clientes, entre outros).

Considerações Preliminares

As Considerações Preliminares, embora não essenciais, são um importante elemento do SPA, ou mesmo de qualquer outro contrato. Em especial após a edição do Código Civil de 2002, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé” (art. 113). Essas cláusulas explicam as razões de cada uma das partes e costumam indicar os eventos que precederam a contratação. Uma vez que os contratos são celebrados na maioria das vezes enquanto há um bom entendimento entre as partes, é comum que não se dê a devida importância a essas cláusulas que poderão ter importância quando da interpretação do contrato em um eventual processo arbitral ou judicial.

Definições

Em um SPA devem ser atribuídos significados específicos a palavras específicas. Isso torna o contrato preciso, em especial quanto ao significado de palavras comumente usadas em determinadas indústrias ou contextos ou ainda em setores específicos. Embora certas palavras ou frases possam ser definidas no corpo de um contrato, quaisquer palavras ou frases com significados críticos, ambíguos ou que exijam definições ou explicações longas devem ser incluídas na seção de definições. Isso é particularmente útil no caso de palavras, frases ou conceitos recorrentes. Cada termo definido deve estar inicialmente entre aspas para que fique claro que é um termo definido, em negrito (para que seja facilmente encontrado) e a primeira letra de cada palavra definida em maiúscula, para que fique claro em todo o contrato que quando a palavra estiver em tal forma maiúscula é de fato um termo definido e, como tal, será interpretado conforme a definição. Se, por exemplo, “Parte” for um termo definido referindo-se a uma Parte do contrato, evitará confusão quando a palavra “parte”, toda em letras minúsculas, for usada para se referir a qualquer parte que não seja uma Parte do contrato.

Objeto do Contrato: Venda e Compra de Participação Societária

Como um elemento essencial de qualquer SPA, o objeto do contrato especifica a quantidade, o tipo e a classe de ações ou cotas sociais a serem adquiridas. Também deve especificar se as ações ou cotas estão livres e desembaraçadas, o que será explorado em mais detalhes na cláusula de Declarações e Garantias.  

Preço, Forma de Pagamento e Escrow Account

Esta seção deve especificar o preço de compra das ações ou cotas e a forma de pagamento, a moeda de pagamento, o local de pagamento, se a vista ou a prazo, se condicionado a determinados eventos, se em dinheiro, conversão de créditos, assunção de dívidas/passivos, troca de ativos, propriedades móveis, bens móveis, ou outras formas de pagamento.

Na maioria das transações de M&A, o preço de compra é normalmente determinado em relação às demonstrações financeiras mais próximas da data de assinatura, e o contrato deverá prever que o preço será ajustado com base em indicadores contábeis na data do fechamento. Os ajustes de preço de compra geralmente decorrem da própria operação da companhia, em especial de mudanças no capital de giro ou endividamento. A este respeito, o comprador e o vendedor devem acordar um método de avaliação e adotar fórmulas contábeis de forma a ter uma fotografia clara da companhia na data do fechamento. O valor da transação pode variar para mais ou para menos, dependendo dos resultados da companhia entre a data de assinatura e a data do fechamento.

Como mencionado anteriormente, o pagamento do preço deve ocorrer no momento da transferência da participação societária adquirida. Não obstante, é comum que parcela do preço seja utilizada como garantia contra contingências identificadas na due diligence. Essa garantia pode tomar a forma de uma retenção do preço ou de uma conta caução, também conhecida como escrow account. Enquanto a retenção é benéfica para o comprador, cria para o vendedor uma incerteza quando ao efetivo recebimento em razão da liquidez do comprador. Daí muitas vezes o vendedor optar pela abertura de uma escrow account, não obstante os custos daí decorrentes. Eliminadas as contingências ou passivos que justificaram a retenção ou abertura do escrow account, a parcela retida ou depositada deve ser liberada para o vendedor. O SPA deve conter estipulações muito claras a respeito de todo o procedimento.

De modo geral, uma escrow account é uma conta corrente aberta em nome do vendedor e do comprador, cuja movimentação depende da autorização conjunta e com uma política de investimentos previamente acordada entre banco, vendedor e comprador. O banco, na condição de depositário, deve seguir fielmente as regras para manunteção e liberação de recursos, que são estipuladas em um contrato específico que será assinado juntamente com o SPA. Ou seja, a instituição da escrow account é objeto de um contrato separado o qual especifica os termos e condições pelos quais o depositário deve gerenciar e liberar os recursos em depósito para o vendedor ou o comprador. Um contrato de caução deve ser elaborado com cuidado e com especificidade para capturar os elementos-chave que determinam se os fundos devem ser pagos ou retidos em relação ao seu objeto.

O preço costuma ser uma das questões mais complexas em negociações de M&A devido às diferentes percepções de valor do vendedor e do comprador. Uma das formas de superar essa diferença de percepções é mediante a utilização do mecanismo de earn-out.

Earn-Out

A cláusula de earn-out consiste na vinculação de parcela do preço a resultados futuros da companhia. Esse tipo de ajuste é uma solução criativa para conciliar eventual diferença na percepção de preço do vendedor e do comprador e permitir ao comprador capturar as sinergias e parcela do valor que venha a ser criado com o ingresso do comprador. Isso porque a precificação da companhia (valuation) tem sempre por base resultados futuros e, como tal, incertos. Esses resultados podem ser financeiros (por exemplo, atingir metas de vendas futuras) ou não financeiros (por exemplo, clientes-chave da meta são mantidos após a transação). A cláusula de earn-out, portanto, vincula parcela do preço a resultados futuros e, como tal, é um instrumento muitíssimo utilizado para resolver divergências sobre o valor e preço da companhia.

As cláusulas de earn-out devem ser cuidadosamente redigidas em especial no que se refere ao marco temporal e aos critérios financeiros e contábeis para determinação dos resultados nesse mesmo marco temporal. Também deve assegurar que o vendedor seja mantido na companhia bem como a manutenção de outras condições que possam ser necessárias para o atingimento dos resultados.

Idealmente, o exercício da opção de venda e de compra de ações relacionada a uma cláusula de earn-out deve ser objeto de acordo de acionistas, pois esse tipo de instrumento comporta execução específica de direito de Put e de Call, ou seja, opções de venda e de compra de ações ou cotas.

Fechamento

O chamado Fechamento (ou closing, em inglês) consiste na entrega das cotas ou ações contra o pagamento do preço, integral ou parcialmente. O Fechamento representa o momento em que as ações ou cotas, e as obrigações decorrentes da sua titularidade, são transferidas ao comprador.

A esse respeito, também deve ser especificado no SPA se o fechamento da compra e venda se dará no momento da assinatura do SPA ou se haverá um intervalo entre a assinatura e o fechamento (fechamento diferido).

Isso é necessário na medida em que o fechamento da transação dependa do CADE ou de quaisquer outras agenciais regulatórias que deva aprovar a mudança de controle da companhia. Ou mesmo diante da necessidade de ocorrência de outros eventos e aprovações.

Portanto, fechamentos diferidos são comuns e podem ser necessários por vários motivos que, invariavelmente, demandam um certo tempo para que se completem.

Condições precedentes

Condições precedentes, ou condições de fechamento, são estipulações acordadas pelas partes que devem ser satisfeitas, ou dispensadas, como condição para que a aquisição possa ser concluída. As condições precedentes são normalmente atribuídas a uma parte específica, mas algumas podem ser mutuamente aplicáveis. Também podem depender de terceiros, como a aprovação para a transferência de controle que dependa de uma agência regulatória, ou mesmo de um credor. O não cumprimento de uma condição de fechamento normalmente dá à contraparte o direito de abandonar a transação, dando por terminado o contrato de compra e venda, sem responsabilidade. Isso protege as partes de não receberem aquilo pelo qual negociaram. No caso de um fechamento diferido, as condições devem ocorrer após a execução do SPA.

Compromissos Pré-Fechamento

O diferimento do fechamento trás ainda mais complexidade para o contrato na medida em que será necessário regular a condição dos negócios desde o momento da assinatura até o momento do fechamento – o que é feito pelas cláusulas de compromissos (chamadas covenants, em inglês). O objetivo dessas cláusulas é limitar a celebração, pela companhia, de contratos fora do seu curso normal dos negócios, conforme as partes venham a acordar.

As cláusulas de pré-fechamento geralmente limitam o que o vendedor pode fazer antes do fechamento. Normalmente, os compromissos do vendedor são mais onerosos do que aqueles do comprador uma vez que o vendedor mantém o controle da companhia até o fechamento. Como obrigações de fazer ou não fazer, os acordos pré-fechamento são comuns em transações com fechamentos diferidos para proteger e preservar o valor do negócio entre a execução do SPA e o fechamento. Deve-se, contudo, nas transações sujeitas a aprovação previa pelo CADE, atentar para que os compromissos assumidos pelo vendedor não configurem ingerência excessiva ou integração das atividades previamente à aprovação da transação por essa autoridade (trata-se do chamado gun jumping).

Materlal Adverse Effect (MAC)

Também como consequência de um fechamento diferido, as cláusulas MAC têm por finalidade criar proteção para o comprador contra mudanças adversas que não sejam decorrentes de atos das partes, mas de terceiros. Essas cláusulas têm por consequência liberar o comprador da obrigação de completar a compra e venda caso advenham alterações adversas para a companhia como consequência de atos atribuíveis a terceiros, como pandemias, cataclismas ou outros fatores não previsíveis, conforme venha a ser negociado entre as partes.

Declarações e garantias

Em transações de M&A, as chamadas declarações e garantias (ou representations and warranties, em inglês) são dadas por cada uma das partes à outra com o intuito de confirmar a existência das condições essenciais para a validade e eficácia do negócio jurídico. Porém também se referir às condições da própria companhia cujas ações ou cotas são objeto do contrato. Nesse último caso as declarações e garantias do vendedor serão certamente mais extensas e detalhadas que aquelas do comprador na medida em que dizem respeito à companhia, seus negócios, ativos e passivos. Representações e garantias alocam riscos entre as partes e formam a base para uma reclamação legal em caso de declaração falsa ou violação. Eles podem ser complexos ou rudimentares e podem contemplar um ou mais aspectos da companhia. A estipulação de declarações e garantias relativas à companhia não é nem necessária nem essencial ao negócio. Na sua ausência reputa-se que a companhia foi alienada no estado em que se encontra (o que em inglês se fala As Is, ou seja, no “estado em que se encontra”). Nesse caso, o vendedor não presta qualquer garantia quanto à condição da companhia e o comprador assume todos os ativos e passivos, identificados ou não na due diligence.

Direitos de Término/Rescisão e Indenização

Os SPAs com fechamento diferido são contratos cujo cumprimento se prorroga ao longo do tempo até o cumprimento das Condições Precedentes. Como tal, trata-se de contratos que estipulam obrigações para ambas as partes que devem ser cumpridas entre a data de assinatura e a data do Fechamento. O descumprimento de qualquer dessas obrigações deve dar à parte prejudicada o direito — mas não a obrigação — de terminar o contrato e obter indenização da parte faltosa. Em SPAs que contenham declarações e garantias relativas à companhia, a violação dessas cláusulas dá ao comprador o direito de rescindir o contrato e buscar indenização. Como tal, essas cláusulas devem ser negociadas em detalhes e costuma incluir conceitos de materialidade e de conhecimento do vendedor para fins de evitar que uma violação seja configurada.

Uma vez ocorrido o fechamento, a obrigação de indenizar permanecerá pelo prazo acordado entre as partes. Tanto o prazo da obrigação de indenizar quanto o valor máximo de indenização podem ser negociados entre as partes.

Contratos Auxiliares

Documentos e contratos auxiliares normalmente consistem em uma série de documentos enumerados em um cronograma anexado ao SPA que as partes devem entregar uma à outra no fechamento ou antes do fechamento. Podem se referir a condições precedentes ou a negócios ou acordos que devam ter efeito após o fechamento do negócio. Como exemplos, podemos considerar acordos de acionistas, contratos de prestação de serviços, contratos de licenciamento de direitos de propriedade intelectual e contratos de locação de imóveis. Um ou mais desses documentos podem ser necessários para regular relações que terão continuidade após o fechamento da compra e venda de ações ou cotas.

Compromissos Pós-Fechamento

Diversamente das Condições Precedentes e da mesma forma que os referidos Documentos Auxiliares, essas cláusulas regulam obrigações que também terão efeito pós-Fechamento. Exemplo típico é o compromisso de não-concorrência e de não-solicitação.

Confidencialidade

As cláusulas de confidencialidade após o Fechamento do contrato têm por finalidade proteger o comprador do risco de o vendedor divulgar a terceiros ou mesmo se utilizar de informações confidenciais em seu favor ou em favor de terceiros. O seja, protegem o próprio valor do negócio. Enquanto nas fases preliminares das negociações o vendedor deve se preocupar com o sigilo das informações, essa equação se inverte após o fechamento. Além disso, é muito comum que informações estratégicas sejam disponibilizadas apenas após a assinatura do contrato ou mesmo por ocasião de Fechamento. Portanto, essa cláusula poderá regular essa situação.  

Disposições Diversas

Além das cláusulas referidas neste artigo, quaisquer outras podem ser adicionadas ao contrato na medida do necessário para documentos os acordos e pactos havidos entre as partes. De qualquer maneira, sob o título Disposições Diversas são normalmente inseridas cláusulas para regular assuntos como comunicações entras as partes para quaisquer questões decorrentes do contrato, sobrevivência das demais disposições contratuais caso qualquer delas seja considerada nula, regras de cessão do contrato, idioma que deverá prevalecer caso o contrato seja assinado em mais de um idioma, responsabilidades pelos custos e despesas havidos por cada uma das partes para a consecução do negócio. 

Lei aplicável, jurisdição e Método de Resolução de Disputas

A questão da lei aplicável e da jurisdição se torna ainda mais importante no caso de contratos celebrados entre partes em diferentes jurisdições. Inclusive em razão das disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei 12.376/2010).

Quanto ao método de resolução de disputas, a arbitragem tem se tornado cada vez mais comum em SPA principalmente em razão do sigilo e da maior rapidez nas decisões. No entanto, os contratos costumam ressalvar o direito de cada uma das partes recorrer ao Poder Judiciário para a obtenção de decisões de caráter urgente com a finalidade de preservação de direitos.

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Antonio Carlos Mazzucco

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