Por André Jerusalmy – 15/04/2020
Passadas as primeiras semanas da crise ocasionada pela pandemia do coronavírus, podemos notar que alguns de seus reflexos na economia podem ser ainda mais profundos do que aqueles previstos inicialmente. Algumas das primeiras medidas tomadas pelo governo para tentar dar segurança aos empresários que do dia para a noite viram seus negócios serem impedidos de abrir, foram medidas de liberação de créditos às empresas. Começou com uma tímida liberação dos compulsórios bancários, aumentou o tom para uma injeção de mais de R$55 bilhões de reais na economia por meio do BNDES (mais do que o total de desembolsos no ano de 2019), e poderá chegar até o chamado “orçamento de guerra” que atualmente está em discussão no legislativo nacional e que poderá permitir ao governo a compra direta de títulos privados.
Apesar da SELIC estar em um dos menores patamares da história, sabemos que historicamente os juros praticados pelos bancos privados são muito altos. Adicionalmente, em razão de mutas empresas terem dificuldades em obter linhas de crédito com taxas mais atrativas, o mercado de fomento mercantil tornou-se uma opção cada vez mais comum. Assim, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (também conhecidos apenas por sua sigla – FIDCs) tornaram-se grandes aliados das empresas, pois forneciam crédito mediante o adiantamento dos recebíveis futuros, ou seja, o FIDC adquire títulos com vencimento a prazo mediante a aplicação de um desconto em razão da qualidade do devedor do título, fazendo com que a empresa credora não tenha que aguardar até o vencimento para receber o pagamento.
Como para muitos a crise veio de forma violenta, muitas vezes interrompendo de forma abrupta o faturamento de empresas que ficaram impossibilitadas de abrir suas portas, muitas dessas empresas deixaram de honrar seus pagamentos. O “efeito dominó” foi imediato, pois ao passo que muitos títulos deixaram de ser adimplidos, os fundos deixaram de adquirir títulos de empresas que precisavam descontar seus recebíveis. Assim, sem poder ter os recebíveis descontados, muitas empresas tiveram que suspender seus pagamentos, muitos deles devidos a FIDCs.
A legislação da Comissão de Valores Mobiliários (Instrução 356) prevê que ao menos metade do patrimônio líquido dos FIDCs esteja investido em recebíveis, porém muitos fundos poderão estar desenquadrados de tais limites, uma vez que muitos deixaram de adquirir recebíveis. Somado a isso, outra variável veio somar o momento ruim dos fundos: muitos dos investidores solicitaram o resgate de suas cotas, com o objetivo de alocarem seus recursos em investimentos mais conservadores, como ouro e dólar.
Em razão das dificuldades que apresentadas até o momento, bem como de dificuldades futuras que poderão surgir, é certo que ainda veremos muitas alterações legislativas a fim de amenizar o cenário dos FIDCs e das empresas que necessitam de seus serviços. Em uma rápida reflexão sobre o assunto, a celebre frase de Antonio Gramsci não poderia ser mais atual ao momento (ainda que o filósofo fosse oposto ao ideário liberal): “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”.