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Por que a restrição de crédito a produtores em recuperação judicial desafia princípios constitucionais

17 de December de 2025

Vitor Ferrari é advogado especialista em Recuperação Judicial e sócio do escritório Mazzucco & Mello Advogados.

O agronegócio brasileiro, motor da economia e historicamente dependente do crédito rural, enfrenta um cenário de tensão e incerteza após ameaça do Banco do Brasil de restringir o acesso ao crédito rural para produtores que ingressarem com pedidos de recuperação judicial.

É incontroverso que, em 2025, o número de pedidos de recuperação judicial por produtores rurais aumentou drasticamente — um crescimento de até 345% em comparação com o ano anterior, 2024.

Com o crédito rural mais caro, o Banco do Brasil afirmou ter registrado o pior desempenho entre os grandes bancos do país no primeiro semestre. Analistas de mercado preveem que essa diferença deverá persistir, refletindo a continuidade desse cenário adverso.

O resultado decorre, em parte, de decisões judiciais que garantem aos produtores rurais a proteção de seus créditos, os quais passaram a ser considerados, pelo próprio Banco do Brasil, como ativos problemáticos. Estudos internos da instituição revelaram elevado índice de inadimplência entre os produtores, algo inédito em tal proporção.

Para evitar uma exacerbação dos pedidos de recuperação judicial, torna-se crucial a adoção de medidas que viabilizem alternativas ao crédito tradicional, de modo que os produtores não se vejam desamparados diante da crise. Outras soluções para a resolução desse impasse devem ser buscadas, a fim de amenizar os efeitos econômicos e sociais do atual cenário no campo.

O anúncio de restrição recentemente acende um alerta grave sobre o respeito ao Estado de Direito e à própria finalidade da Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial no País. Tal posicionamento é alarmante não apenas pelo conteúdo discriminatório, mas por partir de uma instituição estatal de relevância sistêmica, cuja missão institucional inclui fomentar o agronegócio e apoiar políticas públicas de desenvolvimento econômico. Ao condicionar o acesso ao crédito à renúncia do direito à recuperação judicial, o Banco do Brasil incorre, em tese, em conduta que contraria princípios constitucionais da livre iniciativa (art. 170, caput, CF/88), da função social da empresa e da igualdade de tratamento entre os agentes econômicos.

A recuperação judicial, constitui um instrumento de reequilíbrio econômico que busca evitar a falência, promover a reestruturação e garantir a continuidade das atividades produtivas. Em setores estratégicos como o agronegócio, onde a atividade é cíclica e altamente dependente de fatores climáticos e de mercado, a recuperação judicial tem sido um mecanismo essencial de sobrevivência e reorganização.

Classificar o produtor em “black list” apenas por exercer esse direito é, na prática, uma forma de sanção extrajudicial, vedada pela própria lógica do sistema jurídico brasileiro. Não se pode admitir que o exercício de um direito legítimo e previsto em lei, seja transformado em critério de exclusão financeira ou de discriminação institucional.

Além de juridicamente questionável, a postura do Banco do Brasil gera insegurança jurídica e desequilíbrio concorrencial, podendo inclusive configurar abuso de posição dominante no mercado de crédito rural.

É papel do sistema financeiro nacional, especialmente de instituições públicas, atuar como agente estabilizador, e não como instrumento de intimidação ou coerção indireta contra o produtor endividado. O discurso de que o crédito seria “eternamente vedado” a quem buscou proteção judicial fere, ainda, os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, além de representar um retrocesso nas políticas de fomento e reestruturação do campo. Se prevalecer, tal diretriz poderá provocar um efeito cascata de insolvências e exclusão financeira, agravando a crise em vez de mitigá-la.

A posição descrita, portanto, deve ser vista como um sinal de alerta institucional, não apenas ao setor agrícola, mas ao próprio sistema de reestruturação brasileiro, que é ferramenta legítima de preservação de valor econômico. O combate ao mau uso da recuperação judicial deve ocorrer pelos meios judiciais e legais, jamais pela negação de crédito generalizada ou pelo cerceamento da liberdade econômica de quem busca se reerguer dentro da lei.

Fonte: Portal do Agronegócio. Acessado 17/12/25.

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