Em tempos de forte exposição digital, especialistas alertam que fotos e vídeos de colaboradores usados sem autorização podem gerar passivos trabalhistas, ações coletivas e danos reputacionais, exigindo alinhamento entre Jurídico, RH e Marketing.
Ana Carolina Vasconcelos – especialista em direito trabalhista na Mazzucco&Mello Sociedade de Advogados.
A foto da equipe na festa de fim de ano, o vídeo sobre a rotina da empresa no TikTok, o depoimento do colaborador do mês no LinkedIn. Em tempos de disputa por talentos, o que parece ser uma estratégia autêntica de employer branding pode se transformar em um problema jurídico e reputacional. A linha entre celebrar a equipe e explorar indevidamente a imagem do colaborador é tênue — e muitas empresas têm ultrapassado esse limite sem perceber.
O debate sobre o direito de imagem no trabalho não é novo, mas ganhou urgência com a ascensão das mídias digitais e a facilidade de compartilhamento. O que antes ficava restrito ao mural interno ou a uma campanha publicitária tradicional, hoje circula em redes sociais corporativas, com alcance replicável e permanência elevada — fatores que intensificam eventuais danos.
Do ponto de vista jurídico, a regra é clara: a imagem é um direito da personalidade, protegido pela Constituição Federal e pelo Código Civil. Sua violação independe da prova de prejuízo; basta o uso não autorizado, sem consentimento expresso do titular. E aqui está o erro mais frequente das empresas: presumir que o contrato de trabalho, por si só, autoriza o uso da imagem do colaborador para qualquer finalidade. Não autoriza.
O vínculo empregatício confere poderes de direção, mas não transforma o funcionário em garoto-propaganda da marca.
O risco mora nos detalhes: do crachá ao Instagram
É essencial diferenciar finalidades. O uso da imagem para fins estritamente funcionais — como crachá de identificação ou sistemas de acesso — é, em geral, admitido como parte do contrato.
O problema surge quando essa imagem extrapola o propósito funcional e passa a ser utilizada com objetivos comerciais ou institucionais. É o caso da foto do vendedor no site da empresa, do vídeo do time de TI em campanha de atração de talentos ou da postagem que celebra resultados usando imagens de uma reunião interna. Nessas situações, a autorização expressa do empregado é indispensável.
Ignorar essa exigência abre espaço para litígios que vão além do esperado. A Justiça do Trabalho tem reconhecido indenizações por danos morais que variam conforme o alcance da divulgação. O passivo pode ser ampliado: sindicatos e o Ministério Público do Trabalho podem questionar práticas sistemáticas de violação, instaurando ações coletivas de grande impacto financeiro e reputacional.
A liberdade de expressão do empregado: um campo minado
A relação é de mão dupla. Se a empresa tem deveres, também tem o direito de proteger sua marca. O desafio está no equilíbrio. Como lidar com um colaborador ou prestador de serviço que usa redes sociais pessoais para fazer postagens que prejudicam, direta ou indiretamente, a imagem da empresa?
Impor restrições abusivas pode configurar violação ao direito de personalidade do próprio trabalhador. O caminho não é censura, mas clareza. Políticas de conduta digital são essenciais, desde que respeitem os limites entre o interesse empresarial e a esfera pessoal do empregado.
Passos para alinhar Jurídico, RH e Marketing
Em cenário de exposição constante, proteger o direito de imagem não é burocracia; é gestão de risco e reputação. Empresas que negligenciam isso não apenas perdem recursos com ações judiciais como também perdem a confiança do público interno. A atuação conjunta de Jurídico, RH e Marketing é indispensável.
Isso inclui a criação de um termo de autorização específico, separado do contrato de admissão. Ele deve ser voluntário — o funcionário pode recusar — e precisa detalhar:
Purpose: onde a imagem será usada (“redes sociais da empresa”, “materiais de atração de talentos”, “campanha publicitária X”).
Forma de utilização: fotos, vídeos, depoimentos?
Prazo: por quanto tempo a imagem poderá ser usada e o que ocorre com o material após o desligamento do colaborador.
Além disso, é necessário desenvolver uma política clara de mídia digital. O colaborador deve saber o que a empresa espera dele, especialmente quanto ao uso de uniformes, logos e menções à organização em redes pessoais, sempre com respeito à confidencialidade e à liberdade de expressão.
Por fim, é recomendável auditar a comunicação interna e externa. Jurídico e RH devem revisar práticas do Marketing e da Comunicação Interna: a “foto espontânea” da equipe tem autorizações? O “vídeo de engajamento” inclui consentimento de todos? O alinhamento prévio evita improvisações e reduz riscos.
Respeitar a imagem do colaborador é fortalecer a marca empregadora
Em um contexto de exposição digital contínua, tratar a imagem do colaborador com seriedade é colocar em prática a valorização das pessoas — tão comum nos discursos corporativos, mas nem sempre observada na realidade. É também um investimento direto na segurança jurídica e na consolidação de uma marca empregadora sustentada pelo respeito, e não apenas pelo marketing.