04/12/2020
Por André Jerusalmy
A estrutura empresarial moderna, tal como conhecemos, possui origem recente dentro da história contemporânea. Todavia, certo é que tal estrutura não surgiu do nada, mas sim é fruto de uma construção histórica, que carrega em si as relações sociais e de sistemas de cooperação que evoluíram ao longo do tempo, bem como os usos, costumes e crenças utilizados e geralmente aceitos pela sociedade. Nesse sentido, observamos que a construção histórica das administrações empresariais são um reflexo das pessoas e de seu tempo, sendo que a coordenação da mão de obra e do trabalho não surgiu da necessidade do trabalho em si, mas sim de uma necessidade de ampliação do capital e do lucro por parte das empresas e de seus donos.[1]
Nesse mesmo sentido, o crescimento da participação das mulheres na vida política e social também é um fenômeno recente na história de grande parte das sociedades modernas. Como exemplo, o Brasil permitiu que as mulheres pudessem votar apenas após a publicação do Decreto nº 21.076, em 24 de fevereiro de 1932 (Código Eleitoral), por meio do qual foi instituída a Justiça Eleitoral, o voto secreto e o voto feminino nacional. Até então, era proibido às mulheres votar e, obviamente, se candidatar a quaisquer cargos eletivos.
É curioso imaginar que a Lei Áurea, uma das mais icônicas leis brasileiras, foi publicada por uma mulher, porém esse caso foi justamente a exceção que confirma a regra, uma vez que de acordo com historiadores a Princesa Isabel fazia parte de um grupo de mulheres típicas das classes altas do Brasil oitocentista, que exerciam passivamente os papéis que a sociedade patriarcal ensinava a elas. Papéis como os de filha, noiva, esposa, mãe e regente[2], e que em diversas camadas da sociedade Brasileira é entendido como padrão até os dias de hoje.
Ainda assim, apesar dos esforços em garantir a participação de mais mulheres dentro do ambiente corporativo, ainda são grandes os desafios para fazer com que as esferas de maior importância dentro da estrutura empresaria sejam compostas por mais mulheres, sendo que a questão da igualdade de gênero deve constantemente ser revisitada e estudada para que referidos objetivos sejam alcançados.
Conforme veremos a seguir, apesar de atualmente as mulheres correspondem a 43,83% do total da população economicamente ativa no País e na média possuírem mais anos de estudos que os homens[3], o trabalho e participação delas ainda tende a ser menos valorizado que o dos homens. Além disso, há um abismo na configuração entre gêneros nas diretorias e conselhos empresariais, fazendo com que esse tema também faça parte do conceito ESG (Environmental, Social and Governance), que atualmente é utilizado para definir as empresas que vão possuem preocupações sobre a conduta socioambiental e de responsabilidade corporativa que possuem em seu ambiente interno, bem como nos negócios que realizam.
Atualmente, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa publicado pelo IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, prevê que para a melhor atuação do conselho de administração, o órgão deve ter diversidade (em sentido amplo) em sua composição. Todavia, o que é possível notar na prática, de acordo com dados do próprio IBGC, é que atualmente o perfil dos conselheiros em empresas com ações negociadas em bolsa é bastante homogêneo e predominantemente masculino (também branco e heterossexual), sendo que 92,8% dos integrantes de conselhos de administração dessas empresas são homens. O cenário também se mantém nos conselhos fiscais, nos quais a participação feminina é inferior a 9%, de acordo com o mesmo levantamento.
A importância de maior diversidade vai além da necessidade de reafirmação da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres; ela é também um bom negócio. Os investimentos socialmente responsáveis estão em alta, e ainda que não haja um estudo concreto sobre a performance de tais investimentos serem superiores àquelas em empresas que não possuem tais preocupações, é cada vez maior o número de investidores que se preocupam em manter seus investimentos em empresas que visam aliar a garantia à igualdade de acesso e oportunidades entre gêneros ao lucro
[1] MOTTA, Fernando CP . Burocracia e autogestão. São Paulo, Brasiliense, 1981.
[2] JUNIOR, Robert Daibert. Gênero e política: um olhar (estrangeiro) sobre a Princesa Isabel. Rev. Estud. Fem. vol.11 no.2. Florianópolis, 2003.
[3] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – IBGE