Por: Guilherme Martins e João Gimenes
No dia 30 de abril de 2023, foi publicada a Medida Provisória (“MP”) nº 1.171/2023, que trouxe relevantes alterações na legislação sobre do imposto de renda, especialmente sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no país em aplicações financeiras no exterior, sociedades controladas no exterior detidas por pessoas físicas e, de forma inédita, à tributação de estruturas envolvendo “trusts” no exterior. A MP também alterou os valores da tabela mensal do imposto sobre a renda da pessoa física (“IRPF”).
As novas regras de tributação sobre ativos no exterior têm como um dos principais objetivos a compensação de parte dos valores que o Governo deixará de arrecadar aos cofres públicos, em razão do aumento da faixa de isenção do IRPF.
De forma geral, a MP nº 1.171/2023 dispõe que as pessoas físicas residentes no país, a partir de 01/01/2024, deverão tributar de forma separada dos demais rendimentos e dos ganhos de capital, os rendimentos oriundos de capital aplicado/investido no exterior nas modalidades: (i) aplicações financeiras, (ii) lucros e dividendos de entidades controladas (“controladas”) e (iii) bens e direitos objeto de trust.
Esses rendimentos estarão sujeitos à incidência do IRPF na Declaração de ajuste anual, seguindo a progressividade das seguintes alíquotas: (i) 0% sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6.000,00, (ii) 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder R$ 6.000,00 e não ultrapassar R$ 50.000,00 e (iii) 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00.
- Aplicações financeiras
O artigo 3º da MP exemplifica o que seria considerado como aplicações financeiras, incluindo instrumentos financeiros, depósitos bancários, depósitos em cartões de créditos, certificados de depósitos, certificados de investimentos, cotas de fundos de investimentos, apólices de seguros, fundos de aposentadorias, títulos de renda fixa e renda variável, entre outros. Além de exemplificar as situações e hipóteses de rendimentos, incluindo inclusive a variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional.
Os rendimentos das aplicações financeiras no exterior serão submetidos à incidência do IRPF, seguindo as alíquotas progressivas de 0% até 22.5%, conforme exposto acima. Acerca do aspecto temporal, a incidência ocorrerá apenas no respectivo período de apuração em que os rendimentos forem percebidos pela pessoa física (ou seja, no resgate, alienação, amortização, vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras).
Destacamos que as cotas de fundos de investimentos e as participações societárias somente serão enquadradas e receberão o tratamento como aplicações financeiras caso não atendam aos requisitos para sua caracterização como entidades controladas no exterior.
- Sociedades controladas no exterior – Regra “anti-diferimento” do IR para pessoas físicas
Comumente, as sociedades (“entidades”) controladas no exterior são formas de diversificação, redução da carga tributária, diferimento do IRPF e proteção patrimonial utilizadas por pessoas físicas para investimentos em ativos (físicos ou financeiros) no exterior.
O Governo Federal por meio da referida Medida Provisória também promoveu alterações na tributação em entidades controladas no exterior, ou seja, aquelas entidades, com personalidade jurídica ou não, em que a pessoa física, detenha, diretamente ou indiretamente, em isolado ou em conjunto, direitos que permitam eleger ou destituir administradores, ou que assegurem preponderância nas quotas sociais, ou que possua mais de 50% do capital social ou nos direitos à participação nos lucros ou recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.
Em linhas gerais, a legislação até então atual, permite que os rendimentos de entidades controladas no exterior obtidos por pessoas físicas (residentes no Brasil) sejam tributados apenas no momento da sua efetiva disponibilização. Ou seja, por exemplo, a tributação apenas ocorre em caso de venda de quotas societárias da pessoa jurídica no exterior, o que era apurado por meio do IRPF incidente sobre o ganho de capital.
No entanto, a MP determina que tais rendimentos deverão ser automaticamente tributados, de forma anual, na declaração de ajuste anual da pessoa física, o que se tem denominado como “regra anti-diferimento”.
Assim, acontecendo a conversão da Medida Provisória em Lei, a partir de 01/01/2024, os rendimentos deverão ser reconhecidos como auferidos todos os anos (“em 31 de dezembro de cada ano”), observando-se as alíquotas progressivas de até 22,5%.
No geral, existem requisitos a serem cumpridos para a sujeição às regras da MP, tais como: as controladas devem estar localizadas em país ou dependência com tributação favorecida, serem beneficiárias de regime fiscal privilegiado, ou ainda, que apurem renda ativa própria inferior a 80% da renda (ou seja, deve-se manter atenção aos rendimentos em renda passiva superior a 20%). Caso contrário, seguirão as regras de da efetiva disponibilização para pessoa física.
Por fim, em suma, os rendimentos das sociedades controladas no exterior deverão ser apurados de forma individualizada, considerando como base o balanço anual da controlada, podendo ser deduzidos os prejuízos da controlada, assim como os lucros e dividendos das empresas investidas brasileiras detidas pela controlada no exterior.
Ainda, é interessante pontuar que as pessoas físicas poderão deduzir o imposto de renda pago no exterior pela controlada e suas investidas até o limite do imposto devido no Brasil.
- Trusts
Até então, como o trust não é um instituto reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro, não existia regulamentação sobre o tema. A MP trouxe importantes disposições e pretendeu disciplinar o instituto de forma específica, para fins de IRPF no Brasil.
Assim, em suma, quanto aos trusts, os bens e direitos objetos do trust no exterior permanecem sob titularidade do instituidor após a instituição do trust são considerados como auferidos pelo titular dos bens e direitos, a partir de 01/01/2024. Em caso de falecimento do instituidor ou no momento da distribuição, os bens passam a ser considerados como se fossem do beneficiário, havendo, nos dois casos, a incidência do IRPF sobre tais bens, a depender do tipo de ativo.
- Atualização do valor de bens ou direitos no exterior
Ainda, a Medida Provisória também possibilita que pessoas físicas atualizem o valor dos ativos que possuem no exterior, como aplicações financeiras, bens imóveis ou ativos que garantam direitos sobre eles, veículos, aeronaves, embarcações, e participações em entidades controladas para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022 e tributar a diferença para o custo de aquisição, pelo IRPF, à alíquota de 10%.
Em caso de entidades controladas no exterior, caso a pessoa física que tiver optado pela atualização até 31/12/2022, a atualização poderá também ser realizada de forma separada, para o período de 01/01/2023 a 31/12/2023, de modo que o recolhimento do imposto ocorra até 31/05/2024, que também será na diferença entre os valores à alíquota de 10%.
- Alterações em regras de apuração de ganhos de capital em situações internacionais – Revogações
Por fim, vale ressaltar que a Medida Provisória também revogou o art. 24 da MP 2158-35/2001 e dispositivos do art. 4º da Lei nº 9.250/1995, que previam a isenção do IR sobre ganho de capital em variação cambial na alienação de ativos no exterior adquiridos em moeda estrangeira. Com a MP, qualquer ganho de capital será calculado e tributado pela diferença em reais entre o custo de aquisição e o valor de alienação (tributação da variação cambial em qualquer caso).
Ainda, houve a revogação da isenção relativa a ganhos apurados na venda ou liquidação de bens localizados no exterior ou representativos de direitos no exterior, incluindo aplicações financeiras, que tenham sido adquiridos pelo contribuinte, a qualquer título, na condição de não residente no Brasil.
- Conclusões
Em que pese a Medida Provisória nº 1.171/2023 ter vigência imediata, a maior parte de seus dispositivos ensejam à cobrança do imposto sobre a renda, logo, somente poderá ser exigido qualquer recolhimento a partir do próximo exercício, isto é, a partir de 01/01/2024.
Ademais, as MP possuem prazo de vigência de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, devendo ser convertidas em lei, neste período. Caso contrário, perderá a sua eficácia. Por sua vez, o próprio projeto de lei de conversão poderá sofrer alterações. Dentro desse cenário, a nossa equipe irá monitorar a evolução da referida MP, para fins de conversão em lei, bem como o seus eventuais desdobramentos.
Com a colaboração de Davi Matos