Por Leonardo Neri Candido de Azevedo
No final do ano passado o governo publicou a Medida Provisória (MP) 869/18 que cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Após o veto inicial da autoridade no projeto da nova Lei de Proteção de Dados, houve sua aprovação.
Vale frisar que diferentemente do que propunha o texto original, que previa a criação de uma entidade autônoma ligada ao Ministério da Justiça, a nova autoridade será um órgão da Presidência da República, que terá apenas a autonomia técnica, mas não financeira.
A ANDP será composta por um conselho-diretor formado por cinco diretores que serão nomeados pelo Presidente da República.
No entanto, o que tem chamado atenção na promulgação da MP é que o texto determina que as competências da ANDP em relação à proteção de dados pessoais prevalecerão sobre as competências correlatas de outras entidades ou órgãos da administração pública.
Nesse sentido, o teor da norma traz uma premissa que na prática poderá se opor ao circuito tradicional de rechaço do consumidor brasileiro, que detém da titularidade do principal objeto tratado na Lei, ou seja, a proteção dos dados pessoais.
No mesmo raciocínio, o entendimento da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) sugere a edição de uma nova norma pela Presidência da República, para melhor proteção dos dados do cidadão. O parecer recomenda que tal dispositivo seja alterado para que a participação no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais seja, no mínimo, paritária entre governo, iniciativa privada e sociedade civil, com maior presença de entidades de Defesa do Consumidor. Destaca-se:
“Ainda que a MP 896/2018 possa ter aspectos positivos – como o primeiro passo ao desejo de criação de uma agência especializada, nos moldes europeus –, alguns artigos e incisos podem ir de encontro com os interesses dos consumidores, motivo pelo qual é necessário analisar o seu texto com atenção, sendo que o ponto mais sensível diz respeito ao arranjo institucional da ANPD. Com efeito, não obstante a previsão de diálogo da ANPD com a SENACON – e outros órgãos de competências afetas do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) –, a MP 869/2018, ao estabelecer a primazia da ANPD frente aos demais órgãos públicos para os fins da LGPD, cria discussões e questões relacionadas à sua constitucionalidade e mesmo de insegurança jurídica e, o que é mais grave, de potencial prejuízo aos direitos dos consumidores. Deve-se, para esse fim, recordar da experiência recente do Brasil com a criação de diversas agências reguladoras especializadas em mercados específicos e a percepção (ausentes estudos empíricos que permitiram a confirmação ou não disso) existente na sociedade brasileira de que os consumidores ficaram desamparados nesse desenho regulatório.”
Assim, alguns especialistas defendem que, em razão das competências concorrentes em relação as que serão desempenhadas pela ANPD, seria adequado que fosse criada uma agência ou autarquia indepentende com estrutura similar ao do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Mas essa estrutura teria consideráveis custos. Da mesma forma, a discussão sobre captura do regulador em detrimento dos consumidores deve ser mais debatida.
Desta feita, a competência concorrente entre SENACON e ANPD e eventual primazia da ANPD poderá resultar em problemas referentes à insegurança jurídica e o caráter executivo da norma. Assim, entende-se pela necessidade de uma maior reflexão sobre o tema e eventuais alterações no texto da norma, o qual vem sendo debatido na Comissão que analisa a MP.