Por Vitor Antony Ferrari e Ivan Kubala – 30/03/2020
Conforme já mencionado em artigo publicado com o tema Pandemia Econômica – Renegociação de Dívidas, Preservação das Empresas e Recuperação Judicial e Extrajudicial no Brasil, diante do atual cenário econômico-financeiro imposto pela pandemia gerada pelo COVID-19, muitas empresas já estão sendo fortemente afetadas, de modo que tanto aquelas que já se encontravam com a saúde financeira fragilizada quanto as que não vislumbrarem meios para se manter durante esse período de recessão, poderão se valer do Instituto da Recuperação Judicial para reestruturação de suas dívidas e elaboração de um plano para manutenção de suas atividades, preservando, também, a sua função social.
Não obstante, existem empresas que já se encontram em recuperação judicial e, da mesma forma, precisarão de medidas eficazes para manutenção de seu status, sob pena de terem a sua falência decretada, o que vai na contramão do princípio basilar do instituto, qual seja, a preservação da empresa.
Pois bem. Algumas medidas já são adotadas pelas Empresas que se encontram nessa condição, mas agora, mais do que nunca, essas e outras medidas devem ser reforçadas para se evitar um verdadeiro colapso econômico, que certamente irá afetar não apenas a sociedade empresarial, mas todos os que dela dependem, tais como seus funcionários, fornecedores e colaboradores.
Por este motivo é que o operador do direito deve estar atento e fornecer aos seus clientes hipóteses legais para mitigação do impacto que o COVID-19 irá gerar em suas atividades.
Destarte, dentre as medidas a serem adotadas, podemos citar, a título de exemplo, as seguintes:
- Renegociação de Contratos com Fornecedores e Colaboradores, ainda que por período determinado;
- Prorrogação do Stay Period, alongando o período de suspensão de Ações e Execuções movidas contra as Recuperandas, fim de que elas possam ter fôlego para se reestruturarem e praticarem todos os principais atos inerentes à Recuperação Judicial, visando o seu pronto soerguimento;
- Liberação de ativos essenciais para as Atividades da Recuperanda, inclusive aqueles que se encontram alienados fiduciariamente;
- Readequação do Plano de Recuperação Judicial que já se encontra execução.
Apesar dos temas acima já coexistirem de certa forma com o procedimento de Recuperação Judicial com uma recorrência, concentramos nossas ponderações no último item, no qual importa tecer algumas considerações acerca de sua possibilidade-viabilidade.
Como se sabe o plano de recuperação judicial é amplamente discutido entre a Devedora e seus Credores, de modo que, após a sua aprovação em Assembleia Geral de Credores e homologado pelo Juiz competente, consistirá em um verdadeiro contrato celebrado entre as partes[1].
Neste contexto, diante da atual situação econômica, não se olvida que se aplicam a estes casos as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, insculpidas no Código Civil Brasileiro, as quais asseguram uma readequação da relação contratual, diante de situações inesperadas como a pandemia da COVID-19, pois como se sabe o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano de recuperação judicial poderá acarretar a convolação da recuperação em falência.
A alteração do Plano de Recuperação Judicial após a sua homologação judicial já é hipótese prevista pela legislação que rege a matéria, mas deve seguir os mesmos passos cumpridos para aprovação do plano original, quais sejam: a) publicação do edital de aviso aos credores previsto no art. 53, parágrafo único, da Lei nº 11.101/05; b) concessão de prazo de 30 (trinta) dias para apresentação de eventuais objeções; c) submissão do plano alterado à nova Assembleia Geral de Credores, caso haja alguma objeção.
Observe-se, contudo, que diante de situação de risco iminente, como a em que estamos vivendo, não seria razoável se exigir todo este trâmite burocrático e moroso para colocar em prática alterações que visam somente mitigar os impactos que a pandemia acarretará durante determinado período de tempo.
Por exemplo, se uma empresa precisasse suspender os pagamentos aos credores ou reduzi-los por um período de 02 (dois) meses, acreditamos que não haveria necessidade de realizar todos os passos previstos na LRF, bastando a palavra do Juízo competente, revestido do poder geral de cautela insculpido no art. 301 do Código de Processo Civil, e sopesando os princípios da preservação da empresa e do pacta sunt servanda, para que as alterações solicitadas pudessem ser colocadas em prática.
É certo que esta hipótese é perfeitamente viável dentro do prazo de 02 anos de fiscalização da recuperação judicial, previsto no art. 61 da Lei nº 11.101/05, pelas razões expostas acima. Porém e se já houver decorrido o aludido prazo, haverá a mesma flexibilidade para acolhimento de pontuais e necessárias modificações no plano para enfrentamento da crise imposta pela pandemia?
Em que pese a LRF preveja que decorrido o referido prazo, qualquer credor poderá requerer a execução específica ou a falência, não se submetendo a eventuais modificações sobre as quais não concordou, pelos mesmos motivos expostos anteriormente, entendemos que, diante de inescusável e iminente necessidade, poderá o Magistrado que conduz o caso impor a todos os credores, inclusive os dissidentes, as alterações requeridas pela empresa em Recuperação Judicial, com o fim único e exclusivo de preservar a fonte originadora de riqueza para o efetivo cumprimento do Plano entabulado pelas partes.
É preciso, contudo, a orientação de profissionais com ampla atuação na área para analisar cada caso e instruir os seus clientes acerca da possibilidade e viabilidade de medidas indispensáveis à manutenção das atividades empresárias e à superação da atual situação de crise econômico-financeiro.
[1] “O plano de recuperação judicial, aprovado em assembleia pela vontade dos credores nos termos exigidos pela legislação de regência, possui índole marcadamente contratual. Como corolário, ao juízo competente não é dado imiscuir-se nas especificidades do conteúdo econômico do acordo estipulado entre devedor e credores” (REsp nº 1631762/SP).