Por: Vitor Antony Ferrari e Ivan Kubala
Como é cediço, vigora o texto da Lei n. 14.112/2020, com exceção dos vetos do Presidente Jair Bolsonaro, os quais serão levados à nova deliberação pelo Congresso Nacional.
Contudo, de forma geral, a referida norma, apesar de recente e de não ter sido colocada em prática de forma aprofundada, de modo que ainda não houve tempo suficiente para os operadores do direito discorrerem sobre a sua eficácia em casos concretos, foi aprovada e sancionada com a finalidade de modernizar e proporcionas às empresas economicamente viáveis meios concretos para superação da crise financeira em que se encontram, mormente em época afetada pela pandemia do COVID-19, que vem se arrastando por mais de 01 ano.
Dentre as novidades prevista na nova sistemática, destaca-se a possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, ato que antes era atribuído exclusivamente às empresas devedoras. Trata-se de uma novidade controvertida, e, em princípio de difícil aplicação, mas as Empresas devedoras devem se atentar sobre tal possibilidade.
De acordo com os novos dispositivos incluídos na legislação, mesmo sem a anuência do devedor os credores poderão apresentar um plano alternativo, desde que cumpridos certos requisitos.
Antes, no entanto, é preciso ressaltar que esta alternativa só ocorrerá em duas hipóteses: (i) decorrido o stay period (prazo de 180 dias de suspensão de ações e execuções movidas contra o devedor, e proibição de atos constritivos em face do mesmo), não haja deliberação a respeito do plano de recuperação judicial; (ii) caso o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor seja deliberado e rejeitado pelos credores, reunidos em Assembleia, bem como não seja o caso de aplicação do Cram Down (instituto que permite ao Juiz aprovar um plano rejeitado, desde que cumpridos certos requisitos).
A primeira hipótese nos parece um tanto genérica, pois a deliberação acerca do plano de recuperação judicial pode sofrer atrasos por diversos motivos que não sejam atribuídos ao devedor, de modo que este não poderá ser prejudicado por razões as quais não deu causa. Portanto, caberá ao Magistrado analisar cada caso concreto antes de permitir a aplicação do citado dispositivo.
Por outro lado, a segunda hipótese possui critérios mais objetivos e concretos, consistindo em verdadeira exceção, como última alternativa de preservar as empresas devedoras, pois, como dito, só será permitida em caso de rejeição do plano apresentado pelo devedor e desde que não admitido o denominado Cram Down.
Em ambos os casos, contudo, a apresentação de plano de recuperação judicial deverá observar algumas regras cumuladas, quais sejam:
1) a possibilidade de apresentação de plano pelos credores deverá ser submetida à votação em assembleia-geral de credores;
2) aprovação por credores que representem mais da metade dos créditos presentes à assembleia;
3) prazo para apresentação do plano será de 30 dias;
4) o plano deverá conter todos os requisitos previstos no art. 53 da norma;
5) Por fim, deverá ter apoio por escrito de credores que representem mais de 25% dos débitos ou de credores presentes na assembleia que representem mais de 35% dos créditos (art. 56, § 6º, inciso III).
Apesar, da alteração ser positiva haja vista que visa afastar a decretação da falência e, em tese estar de acordo com o princípio basilar de preservação da empresa, além de atender o interesse de credores e devedores, esta hipótese ainda gera questionamentos acerca de sua efetiva aplicação aos casos concretos e riscos aos devedores.
Por exemplo, nem todos os credores terão condições de apresentar plano alternativo, pois as exigências impostas pela Lei não são acessíveis a todos os credores, como, por exemplo, informações contábeis e financeiras do devedor, sobretudo para estruturação de um plano no prazo de 30 dias, conforme previsto na lei.
Além disto, credores poderão se reunir para elaboração de um plano alternativo antes mesmo de ter sido aplicada a hipótese legal, a fim de direcionar a assembleia no sentido de dificultarem a aprovação do plano original apresentado pelo devedor, para que possam impor aos demais credores e ao devedor o seu projeto de reestruturação, retirando do devedor, principal destinatário da lei, as rédeas da empresa, o que pode comprometer o plano de soerguimento elaborado pelo devedor, na medida em que poderá não ter condições de cumprir plano diverso do apresentado inicialmente.
Neste ponto, portanto, aparente e literalmente a lei se modernizou ao criar novos mecanismos para se evitar a falência do devedor, mas na prática as alterações merecem um olhar mais cauteloso de todos os envolvidos no procedimento, devedores e credores, para que, atuando de forma colaborativa, o interesse de todos sejam atendidos, mantendo-se a atividade empresarial e preservando-se o emprego dos trabalhadores.