Por Vitor Antony Ferrari e Ivan Kubala – 15/06/2020
A recuperação judicial sedimentou-se como uma ferramenta de muita utilidade para as empresas que se encontram com dificuldades econômico-financeiras momentâneas, mas que possuem chances de soerguimento e retomada de seu crescimento, de modo a preservar suas atividades, o emprego de trabalhadores, sua função social e o interesse de seus credores.
Contudo, a empresa que pretende se valer do referido instituto precisa, além de preencher alguns requisitos para que possa ter o processamento de sua recuperação judicial deferida, observar algumas regras para confecção de seu plano de recuperação judicial, pois embora seja considerado um negócio jurídico celebrado entre devedora e credores sem a intervenção do Poder Judiciário sobre o seu conteúdo material, o mesmo é submetido ao controle de legalidade promovido pelo Juiz competente, o qual poderá resultar no indeferimento da homologação de um plano, ainda que aprovado em Assembleia Geral de Credores.
Uma dessas regras, que vem sendo muito discutida, está insculpida no art. 54 da Lei nº 11.101/05, e estabelece que os créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho deverão ser pagos no prazo máximo de 01 (um) ano. Portanto, o plano de recuperação judicial que prever o pagamento dos credores trabalhistas em período superior a 01 (um) ano, em tese, mesmo que aprovado pelos credores, encontrará óbice no controle de legalidade realizado pelo Poder Judiciário e provavelmente não será homologado pelo Magistrado competente
Em que pese a literalidade da lei e a finalidade da citada norma, dependendo da situação da empresa em recuperação judicial, muitas com passivos trabalhistas expressivos, este prazo pode se tornar impraticável, principalmente na atual situação econômica em que o país se encontra, decorrente da pandemia do COVID-19.
De fato, a referida regra, se comparada a outros dispositivos da mesma lei que permitem diversas formas de recuperação (deságios, parcelamentos, venda de ativos, etc), demonstra-se um verdadeiro obstáculo a empresas absolutamente viáveis. Não é à toa que vem sendo amplamente discutida sua flexibilização pelo Poder Judiciário[1].
Nada obstante, alguns Magistrados além de aplicarem a regra com absoluto rigor, tem interpretado o referido dispositivo de forma a criar mais empecilhos, em descompasso com a legislação e desviando completamente do objetivo primordial do instituto da recuperação, qual seja, a preservação da empresa.
Além do prazo limitado para pagamento dos créditos trabalhistas, o Poder Judiciário tem interferido inclusive na forma de pagamento desses credores, sobre a qual a lei de recuperação judicial não impõe limites, pelo contrário, prevê diversos meios de recuperação, conforme já citado acima.
A título exemplificativo, se um plano de recuperação judicial prevê o pagamento dos credores trabalhistas no prazo de 01 (um) ano por meio de dação em pagamento de títulos de crédito, supõe-se que o mesmo encontra guarida da legislação especial, vez que respeita o art. 54 da lei (prazo máximo de 01 ano) e se enquadra no rol de meios de recuperação judicial, o qual permite a dação em pagamento como forma de pagamento dos créditos sujeitos à recuperação judicial (art. 50, inciso IX, da Lei n. 11.101/05)
O mesmo ocorre em outras alternativas de pagamento dessa classe de credores, a exemplo da dação em pagamento de um bem imóvel.
Importante destacar que nem mesmo a legislação trabalhista impõe limites à forma de pagamento de créditos reconhecidos em sentenças judiciais, sendo comum a substituição do pagamento em espécie por outros meios, como a realização de acordo envolvendo dação em pagamento ou a adjudicação pelo credor trabalhista de bens móveis e imóveis em execução forçada.
Logo, um plano aprovado pelos credores que preveja forma alternativa de pagamento da classe trabalhista não deveria sofrer a interferência do Poder Judiciário, primeiro porque não possui qualquer impedimento legal, segundo porque deve-se respeitar a soberania da decisão da assembleia geral de credores, que aceitou o pagamento na forma convencionada, ou seja, por meio de dação em pagamento.
Todavia, não é o que se tem visto no Poder Judiciário, que vem constantemente extrapolando os limites do controle de legalidade do plano de recuperação judicial, interferindo direta e indiretamente na deliberação dos credores de modo a impedir a homologação de planos de recuperação judicial absolutamente viáveis, do ponto de vista econômico e financeiro, e, por conseguinte, a superação da crise enfrentada pelas empresas, levando-as à inevitável falência, contrapondo-se ao objetivo principal da lei, a preservação das empresas.
Nosso escritório conta com profissionais amplamente capacitados para defender os interesses das empresas de pequeno, médio e grande porte, que se encontram com a situação financeira delicada e que precisam se socorrer ao processo de recuperação judicial, principalmente para que possam superar a crise que vem enfrentando, de acordo com a legislação e impedindo que abusos praticados pelo Poder Judiciário impeçam a preservação de suas atividades e a retomada de seu crescimento.
[1] TP nº 2025/SP (STJ)