Por: Antonio Mazzucco e Vitor Antony Ferrari
Anos após desastre ambiental de Mariana (MG), a mineradora responsável, Samarco, passa por dificuldades financeiras e se vê obrigada a pedir sua Recuperação Judicial para não fechar as portas. Entretanto, plano de recuperação apresentado aos credores foi rejeitado, sendo as rédeas tomadas pelos Credores Financeiros.
Em artigos anteriores publicados pelo nosso escritório já abordamos a recuperação judicial da Mineradora Samarco S/A (“Samarco”). Após o desastre socioambiental ocorrido em Mariana (MG) em 05 de novembro de 2015, a Samarco teve suas operações interrompidas, acumulou dívidas e perdeu clientes. Além do dano reputacional e quebra de contratos, a Samarco passou a ter o dever de indenizar e reparar os danos resultantes do rompimento de sua barragem.
Em 9/04/2021, a empresa ajuizou o pedido de recuperação judicial perante o Juízo da 2ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte/MG, a fim de reestruturar sua dívida, cuja maior parcela é financeira, da qual cerca de R$ 50 bilhões estão sujeitas à RJ. No dia 12/04/2021, o processamento da RJ foi deferido e os administradores judiciais nomeados, dando início ao processo.
Ultrapassado mais de um ano do deferimento do processamento da Recuperação Judicial, em 18 de abril de 2022 o Plano e seus modificativos apresentados pelas Recuperandas foram rejeitados pelos credores. Além disso, na mesma data e na ocasião da própria AGC, foi concedido prazo de 30 dias para apresentação de PRJ alternativo pelos Credores.
Um primeiro PRJ alternativo foi apresentado no dia 17 de maio de 2022 (PRJA1), com detalhamento dos meios de Recuperação Judicial, dentro do prazo legal estipulado.
Ainda, juntamente com o PRJA1, o Grupo de Credores e Sindicatos (composto por Sindicatos de Empregados, Consórcios e prestadores de serviços credores na Recuperação Judicial) apresentou também documento relativo à composição de credores apoiadores do PRJA1o qual incluía as acionistas Vale e BHP. Esse grupo de credores representaria o percentual de 48,58% dos créditos, num total de R$ 23.794.452.361,76 distribuídos entre credores das Classe I, III e IV. Ainda, também foram apresentados Laudo Econômico-Financeiro, Estudo de Viabilidade e Laudo de Avaliação de Bens e Ativos Minerários e de Equipamentos.
Contudo, na mesma assembleia, os Fundos Financeiros predominantemente constituída por credores da Classe III, lastreados por diversos outros credores os quais representariam mais de 25% da totalidade dos créditos e mais de 35% dos credores presentes na última AGC, apresentaram, igualmente, novo PRJ alternativo (PRJA2).
Assim, foram apresentados 02 (dois) Planos distintos por Grupos de Credores diferentes, sendo o PRJA1 do Grupo de Credores e Sindicatos (composto por Sindicatos de Empregados, Consórcios e prestadores de serviços credores na Recuperação Judicial) e o PRJA2 do Grupo dos Fundos Financeiros.
O PRJA2 apresentado pelos Fundos Financeiros, já possuía uma série de minúcias e detalhes dos meios de Recuperação Judicial a serem utilizados, com reflexo na composição acionária da Recuperanda e na gestão da companhia, na forma da Lei nº 11.101/2005, bem como nos percentuais de deságios em créditos, sobretudo na classe quirografária. Ainda, também trazia a necessidade de repactuação das dívidas tributárias em separado, como também a obtenção de novos financiamentos e previsão de repasse à Fundação Renova, visando a restauração ou compensação dos danos socioambientais decorrentes do rompimento da Barragem do Fundão, com imposição de limites financeiros.
Nitidamente, hoje o judiciário mineiro atravessa um impasse sobre qual Plano seria mais viável. Contudo temos que nos ater ao fato legal e cumprimento de requisitos para apresentação de Plano pelos Credores, o que aparentemente não foi alcançado pelo Grupo de Credores e Sindicatos.
Isso se dá pelo fato de que, em sua composição de participação, o Grupo de Credores e Sindicatos, patrocinador do PRJA1 trouxe em seu bojo a concordância das Acionistas VALE S/A e BHP BILLINTON, sendo que a Lei afasta expressamente as acionistas ou controladoras de quaisquer deliberações sobre o Plano de Recuperação Judicial havendo, quando muito, direito de participar da Assembleia Geral de Credores, excluída qualquer votação.
Não bastasse isso, referido Grupo de Credores também não se atentou aos requisitos que possibilitariam a apresentação do PRJ Alternativo previstos na Lei quanto ao apoio por escrito de credores que representem, alternativamente:
- mais de 25% (vinte e cinco por cento) dos créditos totais sujeitos à recuperação judicial (com a exclusão expressa das acionistas os credores remanescentes não detinham mais representatividade de crédito);
- mais de 35% (trinta e cinco por cento) dos créditos dos credores presentes à assembleia-geral que rejeitou o Plano de Recuperação apresentado pela Devedora.
Já o PRJA2, apresentado pelos Fundos Financeiros, os quais vinham já se organizando anteriormente a própria AGC finalizada em 18 de abril, teve como premissa a demonstração do cumprimento das condições legais previstas nos incisos do art. 56, §6º da Lei 11.101/05.
Nesse panorama, certamente teremos a exclusão de qualquer votação do PRJA1, apresentado pelos Sindicatos, por ausência das condições formais elencadas no § 6º do art. 56 da Lei nº 11.101/2005, seguindo-se tão somente com o PRJA2, apresentado pelos Fundos Financeiros.
Por fim, acredita-se que há possibilidade de que o PRJA2, dos Fundos Financeiros, seja levado a uma rodada de mediação integral ou pontual das cláusulas estabelecidas ali estabelecidas, fato que certamente evitaria nova AGC desde que alcançado os limites para tanto, nos exatos termos do art. 56-A, novidade trazida pela Lei 14.112/20, modernizando e acelerando o procedimento recuperacional.