08/12/2020
Por Vitor Anotny Ferrari e Ivan Kubala
Em decorrência da pandemia do COVID-19 e seus impactos na economia nacional a tramitação do o Projeto de Lei (PL) 6229/05, que altera diversas regras da Lei nº 11.101/05, que regula a Recuperação Judicial, Extrajudicial e a Falência, tornou-se urgente, razão pela qual foi aprovado no dia 27.08.2020 pela Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, onde recebeu o nº 4458/2020 e também foi aprovado no último dia 25.11.2020.
Uma das alterações do texto consiste na expressa inclusão do produtor rural pessoa física como apto a requerer a recuperação judicial. Trata-se de um marco legislativo uma vez que a Lei 11.101 quando de sua promulgação em 2005, foi direcionada para Sociedades Empresárias regularmente constituídas.
O tema, diante de suas peculiaridades, tem sido debatido nos tribunais, cuja discussão cinge-se a exigência legal de inscrição do produtor rural na Junta Comercial (requisito formal) e no termo inicial de contagem do prazo mínimo de 02 anos de comprovada atividade empresária.
Com efeito, em novembro do ano passado, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos (3X2), fixou importante precedente no sentido de que apesar de ser condição para o requerimento da recuperação judicial pelo produtor rural a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, o exercício da atividade rural por mais de dois anos não se inicia com o referido registro, permitindo ao produtor rural comprovar este requisito por quaisquer formas admitidas em direito.
Assim sendo, a jurisprudência pátria vinha sedimentando entendimento de que (i) o registro do produtor rural tem natureza meramente declaratória; (ii) o período de dois anos do artigo 48 da LFR não precisa ser contado a partir do registro, podendo-se considerar período anterior para preenchimento deste requisito; (iii) os créditos contraídos antes do registro também deveriam ser abrangidos pela recuperação judicial.
O texto do PL 4.458 aprovado no Senado, que em muitas vezes vem acompanhando as mudanças e entendimentos Jurisprudenciais já prevê que produtor rural não precisa estar registrado há dois anos na Junta Comercial para se valer da recuperação judicial (parágrafo 3º do art. 48), no mesmo sentido em que vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça, além de possibilitar a este grupo a apresentação de um plano de recuperação especial, desde que sua dívida não ultrapasse R$ 4.8 milhões de reais (art. 70 – A).
Por outro lado, há também exigências e limitações para este setor, como, por exemplo, a não sujeição do crédito rural, previsto na Lei nº 4.829/65, aos efeitos da recuperação judicial (parágrafo 7º do art. 49), o que pode ser visto como um obstáculo aos produtores rurais que obtêm recursos por meio deste tipo de financiamento.
Especificamente quanto ao art. 21 da Lei nº 4.829/65, mencionado no § 7º do art. 49 da Lei a ser alterada, aparentemente não se sujeitariam aos efeitos da Recuperação judicial também os créditos controlados e abrangidos pelas seguintes instituições (cf. art. 7º da mesma Lei):
- O Banco do Brasil S. A. (art. 7º, inciso II);
- O Banco de Crédito da Amazônia S. A. e o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (art. 7º, inciso III);
- O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico – BNDE (art. 7º, § 1º, inciso I, alínea “c”);
- Os Bancos de que os Estados participem com a maioria de ações (art. 7º, § 1º, inciso II, alínea “a”);
- b) Caixas Econômicas (art. 7º, § 1º, inciso II, alínea “b”);
- c) Bancos privados (art. 7º, § 1º, inciso II, alínea “c”);
Assim, os créditos voltados ao fomento da atividade rural estariam excluídos da RJ.
Contudo, tal fato provavelmente trará confusão ao setor de créditos agrários em geral, uma vez que, a Lei, ao não trazer ou definir o que é “renegociação”, mencionada no § 8º do art. 49, o que se aproxima em termos jurídicos corretos a novação do crédito entre a instituição financeira e o devedor, certamente causará uma séria discussão sobre o tema, pois, o mesmo § 8º do art. 49, sujeita o crédito rural não renegociado.
Assim, notadamente seriam incluídos como sujeitos os casos em que as instituições financeiras não tenham renegociado tais créditos antes do pedido de Recuperação Judicial, caso seja promulgado o PL 4.458 em Lei, e, excluídos todos aqueles negociados.
Em resumo, o legislador aparentemente entrega aos Tribunais o dever de verificar se o crédito rural se sujeitará ou não aos efeitos da Recuperação Judicial, uma vez que terão que avaliar caso a caso se houve ou não a “renegociação” prevista.
Além disso, o PL 4.458 aprovado pelo Senado, altera o art. 11 da Lei nº 8.929 de 1994, que trata especificamente da Cédula de Produto Rural com Liquidação Física, afastando sua sujeição aos efeitos da Recuperação Judicial, em prejuízo ao devedor que não poderá contar com a repactuação de tal obrigação, com a efetiva entrega do produto.
Em que pese toda a expectativa que circunda o tema devemos, contudo, aguardar a apuração presidencial para avaliar se o texto permanecerá inalterado para esta categoria ou se sofrerá algum veto que possam resultar em alterações substanciais ao presente marco legislativo trazido com as alterações da Legislação Recuperacional.