Por: Antonio Mazzucco e Luiz Gustavo Doles
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) encerrou o ano de 2022com a edição da Resolução da CVM nº 175 em 23 de dezembro, estabelecendo um novo marco regulatório para os fundos de investimento no Brasil.
A Resolução traz diversas mudanças quando comparada com as normas anteriores, além de consolidar as regras sobre fundos de investimento em um único normativo.
Para tanto, a norma é dividida em partes: uma parte geral aplicável a todas as categorias de fundos de investimento e diversos suplementos que lidam com questões específicas. Além disso, há dois anexos À Resolução que lidam com fundos de investimento financeiros (FIF) — nova denominação dos fundos regulados pela Instrução CVM 555 — e aos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) — regulados pela Instrução CVM 356.
A Resolução entra em vigor em 3 de abril 2023, revogando, além da Instrução CVM 555, as Instruções CVM 356 (FIDC), 444 (FIDC-NP), 472 (FII) e 578 (FIP).
Os anexos que lidam com os demais fundos de investimento, tais como os fundos de investimento imobiliários (FII) e os fundos de investimento em participações (FIP), tem previsão de edição ainda no primeiro semestre de 2023.
As noras normas fazem com que os fundos atualmente em vigor tenham de se adequar até 31 de dezembro de 2024, com exceção dos FIDC e FIDC-NP, que deverão ser adaptados até 31 de dezembro de 2023.
Umas das principais inspirações da Resolução é a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019). Além disso, a Resolução formaliza práticas já adotadas pelo mercado tem o objetivo de aproximar ainda mais a indústria local de fundos de investimento dos padrões internacionais com o objetivo de atrair investidores estrangeiros e aumentar o acesso dos investidores locais.
Existem diversas inovações trazidas pela lei, mas vale a pena ressaltar as seguintes:
Possibilidade de criação de classes com patrimônio segregado e subclasses de cotas
A Resolução traz uma importante inovação: o regulamento do fundo de investimento pode prever a existência de diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos, devendo o administrador constituir um patrimônio segregado para cada classe de cotas.
Tal medida segrega os riscos atrelados a cada cota vez que os titulares de cotas de uma classe serão responsáveis apenas pelas obrigações referentes àquela classe.
Além disso, é permitido que se criem subclasses de cotas, permitindo que as empresas criem diferentes condições a depender do público alvo, condições de pagamento, amortização e resgate além de diferentes taxas de administração ou gestão.
Limitação da responsabilidade dos cotistas
A LLE, no inciso I do seu artigo 1.368-D inovou no sentido de possibilitar a limitação da responsabilidade dos cotistas ao valor das suas cotas, deixando a regulamentação do tema à cargo da CVM.
A entidade cumpriu o dever que é de sua competência, indicando como os fundos com patrimônio líquido negativo devem lidar com tal limitação de responsabilidade.
Insolvência dos fundos de investimento
A Resolução disciplina o regime de insolvência civil nas situações em que o patrimônio líquido de uma classe específica de cotas de fundo se encontre negativo.
No caso, o administrador do fundo que lidar com este cenário deve tomar diversas medidas para preservar a liquidez do fundo (incluindo a suspensão de resgates das cotas e divulgação de fato relevante) e elaborar um plano de resolução do patrimônio líquido negativo, em conjunto com o gestor que deve ser objeto de deliberação pelos cotistas.
Além disso, a CVM pode pedir a declaração judicial de insolvência da classe de cotas, quando identificar situação na qual seu patrimônio líquido negativo represente risco para o funcionamento eficiente do mercado de valores mobiliários ou para a integridade do sistema financeiro.
Papel dos prestadores de serviço
Gestores sempre tiveram um papel central no desenvolvimento das atividades dos fundos de investimento no Brasil, no entanto, somente na Resolução 175 é que gestores e administradores passaram a ser considerados “prestadores de serviços essenciais”, responsáveis pela contratação de outros prestadores de serviços.
Também se atendeu a uma antiga demanda da indústria com relação à segregação de responsabilidades entre gestores e administradores, que deixa de ser obrigatoriamente solidária para todos os tipos de fundos;
FUNDOS DE INVESTIMENTO FINANCEIROS – FIF
Trata-se da nova denominação dos fundos regulamentados pela antiga ICVM 555 que, a depender da sua política de investimento, podem ser: Fundos de Investimento em Ações, Fundos de Investimento Cambial, Fundos de Investimento Multimercado ou Fundos de Investimento em Renda Fixa.
Houve novidades com relação a estes fundos vez que, inspirada no Parecer de Orientação número 40, a CVM permitiu que estes adquiram criptoativos que representem os ativos financeiros descritos na norma.
Além disso, podemos destacar as seguintes inovações:
Flexibilização de regras de investimento para FIF
A realização de investimento no âmbitos dos Fundos de Investimento Financeiros foi flexibilidade vez que:
- possibilidade de FIF destinados a investidores em geral aplicarem até 100% de seu patrimônio no exterior (antes limitado a até 20%) e criptoativos, desde que observados determinados requisitos aplicáveis
- possibilidade de investimento em “ativos ambientais”, muito em linha com a pauta ambiental internacional em relação ao potencial do Brasil no setor;
Limite de alavancagem
A nova regra prevê limites máximos de exposição conforme o tipo da classe do FIF:
- 20% do patrimônio da classe de renda fixa,
- 40% do patrimônio das classes cambial ou ações e
- 70% do patrimônio da classe multimercado, observado que tais limites não se aplicarão para classes destinadas a investidores profissionais;
FUNDOS DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS – FIDCs
Os FIDCs são um dos principais métodos de desconto de recebíveis no mercado, instrumentos necessários para o cotidiano empresarial brasileiro.
Podemos destacar as seguintes mudanças neste fundos de investimento:
Redefinição dos papéis dos prestadores de serviços de FIDC
Os gestores passaram a concentrar obrigações anteriormente de responsabilidade dos custodiantes: a verificação do enquadramento dos direitos creditórios aos critérios de elegibilidade previstos no regulamento do Fundo e a verificação do lastro dos direitos creditórios em carteira, podendo contratar, sob sua responsabilidade, um terceiro para efetuar a verificação do lastro, inclusive a entidade registradora, o custodiante ou a consultoria especializada, desde que o contratado não seja sua parte relacionada.
redistribuição de competências entre prestadores de serviços, conferindo mais autonomia e responsabilidades ao gestor, e obrigatoriedade de contratação de serviço de registro de direitos creditórios passíveis de registro em entidade registradora autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil;
Registro de recebíveis
O administrador do FIDC de agora em diante é obrigado a contratar serviço de registro de direitos creditórios em entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil, observado que a entidade registradora não pode ser parte relacionada do gestor ou da consultoria especializada, podendo debitar estas despesas diretamente de suas classes de cotas.
Distribuição de FIDC para investidores de varejo
Com o objetivo de expandir o acesso a FIDCs à população em geral, a norma possibilitou de que as cotas de FIDC sejam distribuídas ao público investidor em geral, desde que observados determinados requisitos. Trata-se de importante mudança na medida em que anteriormente este tipo de fundo estava restrito a investidores qualificados.
Outras flexibilizações relevantes
Os precatórios federais foram reclassificados. Anteriormente eram considerados “não padronizados”, aplicando-se regulamentação mais severa aos fundos que os detivessem, sendo que agora os precatórios federais são enquadrados como “padronizados” e, portanto, as cotas de FIDC que invistam nesse tipo de ativo podem, à luz da nova norma, ser distribuídas ao público em geral;
Esta nova norma trouxe diversas mudanças ao cenário dos fundos de investimento no Brasil, demandando atenção dos participantes do mercado.
Nosso escritório está à disposição para assessorar participantes do mercado nessa nova fase de transição e adaptação.