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Transação tributária no Estado de São Paulo – um caminho viável e não tão distante

24 de agosto de 2020

Por Mariana Martins

Muito se tem comentado nas últimas semanas acerca das disposições trazidas no PL 529/2020, apresentado pelo Governador do Estado, João Dória, à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no último dia 12.

O referido PL se reveste em um conjunto de medidas para redução de custos e reequilíbrio das contas públicas em razão de alegada queda na arrecadação e aumento de gastos com saúde no enfrentamento à pandemia da Covid-19, que contempla a extinção de algumas entidades descentralizadas da área da saúde e dos transportes, por exemplo, a redução e/ou revogação de alguns incentivos fiscais de ICMS, algumas alterações relevantes na legislação do ITCMD e do IPVA, dentre outras.

A mais relevante e esperada pelos contribuintes paulistas, sem dúvida, é a possibilidade da celebração de acordos de transação tributária para redução da litigiosidade e para quitação de débitos inscritos em dívida ativa pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, ajuizados ou não, que hoje somam, segundo o ofício da Secretaria de Projetos, Orçamento e Gestão anexado ao PL, R$ 104 bilhões classificados como irrecuperáveis e R$ 185 bilhões classificados como de difícil recuperação, sendo que nesse último cenário somente 10% dos valores discutidos judicialmente se encontram garantidos.

As disposições do PL 529/2020 nada mais são do que a reprodução, nem sempre com as mesmas palavras, da Lei nº 13.988/2020, que regulamenta o instituto da transação em âmbito federal. Além da possível formalização pela via da adesão ou do oferecimento de propositura individual, a transação paulista também reproduz o comando federal sobretudo no que se refere (i) aos benefícios incluídos (redução de multa e juros relacionados aos débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, parcelamento, moratória e possibilidade de substituição de garantias, (ii) aos prazos para parcelamento (não superiores a 84 parcelas, sendo esse limite aplicável aos contribuintes insolventes ou em recuperação judicial/extrajudicial, e 60 parcelas para as demais empresas) e às vedações à utilização do instituto, guardadas algumas peculiaridades específicas relacionadas à dinâmica dos impostos estaduais, como o ICMS.

Além das vedações de praxe, aplicáveis também à transação tributária federal, o PL 529/2020 restringe a utilização do acordo de transação (i) aos devedores de ICMS, que nos últimos 5 anos tenham apresentado inadimplemento de 50% ou mais de suas obrigações vencidas, atrelando-se portanto, algum grau de conformidade fiscal para utilização do benefício, (ii) às dívidas contraídas no gozo de benefícios fiscais, que somente poderão ser quitadas sem redução de multa e juros, independentemente de o pagamento ocorrer à vista ou a prazo, (iii) à quitação de débitos do Fundo Estadual de Combate e Erradicação à Pobreza (FECOEP), que não poderão ser objeto de acordo, e (iv) às dívidas que estejam sendo discutidas por meio de ação de repetição de indébito, quando não consolidadas com dívidas de outras naturezas e/ou discutidas por outras medidas judiciais.

O Projeto de Lei, cuja tramitação foi solicitada em regime de urgência, se aprovado, ainda deverá ser regulamentado pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, a qual definirá os parâmetros e os procedimentos para formalização dos acordos de transação por adesão ou por iniciativa individual do devedor ou do próprio Estado.

Espera-se – ainda que não nos pareça ser o caminho – que o Estado de São Paulo adote posição vanguardista e construa, junto à sua Procuradoria respectiva, uma sistemática de acordos mais justa e equânime, com ampliação das possibilidades de apresentação de proposta individual, valorizando o elemento da mutualidade entre as partes preceituado no art. 171 do CTN e no art. 840 do Código Civil de 2002 e a criação de um ambiente verdadeiramente apto a incentivar a conformidade fiscal do contribuinte, sobretudo porque o Estado de São Paulo não adotou quaisquer medidas que pudessem facilitar de certa maneira a conformidade das empresas que tiveram seu faturamento reduzido nos meses mais críticos da pandemia, sendo esse o momento de fomentar o reequilíbrio das contas públicas por meio de uma politica efetiva de desoneração e renúncia fiscal.

É possível que ao longo de sua tramitação o Projeto sofra diversas emendas, o que não deverá ocorrer com as disposições atinentes à transação, dada a sua natureza norteadora do instituto e sua semelhança com a Lei Federal. Caberá à Procuradoria Estadual, mais uma vez, o bom uso de seu poder regulamentar para que se traduzam os objetivos acima mencionados.

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