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Caso Cultura – Recuperação Judicial e Pedido de Falência decorrente de Crédito não Sujeito ao Plano

03 de novembro de 2020

Por Vitor Antony Ferrari e Ivan Kubala 

Nos últimos meses do ano de 2018 a Livraria Cultura S/A, umas das principais e mais conceituadas livrarias do Brasil, visando resguardar a manutenção de sua atividade econômica e a sua continuidade no mercado, se valeu da propositura de Recuperação Judicial com o objetivo de se readequar financeiramente com a repactuação da forma de pagamento de suas dívidas perante todos seus Credores. A recuperação Judicial concedeu a segurança necessária para que a empresa não sofresse constrições de seus ativos, permitindo assim uma negociação mais segura com seus credores detentores de nada menos do que 400 milhões de reais.

Em abril de 2019, dentro do stay period, a Livraria Cultura teve sucesso na aprovação de seu Plano de recuperação Judicial o qual, apesar de aplicar deságio relevante aos seus credores e fornecedores de produtos e serviços, com um extenso prazo de pagamento, era menos gravoso que a decretação de sua quebra pela não aprovação do Plano de Recuperação Judicial.

Aparentemente o procedimento da recuperação judicial havia surtido um efeito positivo na livraria, a qual começou a reaver seu status junto aos seus fornecedores, principalmente Editoras, as quais retomaram as operações com a realização de novos fornecimentos de livros e materiais periódicos em grande parte em consignação.

Contudo, apesar do aparente cumprimento das determinações do Plano de Recuperação Judicial, a Livraria caminhou para uma espiral de novas dívidas não albergadas em seu plano de reestruturação, resultando no não cumprimento de diversas obrigações com seus fornecedores os quais já eram credores de valores sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial exitosa.

Com o acúmulo de novos débitos e de dificuldades, a Livraria se viu obrigada em buscar junto aos seus credores a aprovação de aditivo para alienação de bens e ativos, especificamente o sítio eletrônico de negociação e comercio de livros conhecido como “Estante Virtual”, e de créditos fiscais acumulados. A Livraria Cultura afirmou a todos seus credores que os resultados da alienação de tais ativos se reverteriam integralmente ao fomento de suas operações e no pagamento das obrigações assumidas pós Recuperação Judicial.

Novamente, os credores depositaram na administração da Livraria voto de confiança e aprovaram o aditivo para alienação dos ativos, resultando em um incremento de caixa de mais de 50 milhões de reais no fim do ano de 2019.

Em que pese a expressiva entrada de ativos no Caixa da Livraria, fato é que muitas das obrigações firmadas não foram devidamente quitadas resultando no acúmulo de dívidas e novas promessas de cumprimento.

Contudo, como todos sabemos, em março de 2020 a pandemia de COVID 19 resultou na interrupção das atividades de praticamente todo o setor de varejo no Brasil, ocasionando um  agravamento substancial na situação econômica da Livraria Cultura, a qual, em meados de abril desse ano, solicitou ao Juízo da Recuperação Judicial a suspensão do cumprimento do Plano aprovado pelos credores e a realização de nova Assembleia para discussão de um novo aditivo. A suspensão do cumprimento do Plano não foi deferida, mas houve a determinação da designação da AGC para votação do aditivo pelos credores.

Tal AGC foi realizada em setembro, a qual, diferentemente das demais, resultou na rejeição do aditivo proposto, por uma diferença mínima de credores da Classe IV, que abrange Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte. O juízo, ao receber o resultado da votação afastou a aplicação do instituto do cram down por entender haver tratamento diferenciado entre os credores da Classe IV, e determinou a Livraria Cultura que comprovasse “em 05 (cinco) dias, sob pena de convolação em falência, o integral cumprimento das obrigações constituídas pelo plano de recuperação judicial homologado e vencidas até o momento”.

A surpreendente decisão foi objeto de Agravo de Instrumento que foi recebido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com efeito suspensivo para obstar a decretação da falência das agravantes, até a apreciação da pretensão recursal pelo colegiado.

Não bastasse o enfrentamento do árduo julgamento do recurso mencionado, resta evidenciada que a paciência e confiança dos Credores no reestabelecimento das atividades da Livraria Cultura se encontra abalado, em especial por conta do acúmulo das dívidas pós concursais.

Uma das principais Editoras do País, a Editora Globo, propôs no final do mês um novo pedido de falência, desvinculado da Recuperação Judicial, o qual se pautou em um débito de R$ 544.519,25, contraídos exatamente no decorrer do processamento do procedimento recuperacional, não vinculados ao plano aprovado e aditado em 2019.

Uma vez requerida a falência da devedora por um credor (hipótese prevista no art. 97, inciso IV, da Lei de Falências), seja ele detentor de crédito extra ou pós-concursal, aquela será citada para apresentar defesa no prazo de 10 (dez) dias.

No caso em comento, consistindo o pedido da Editora Globo em títulos executivos extrajudiciais, devidamente protestados para fins falimentares (art. 94, I e §3º, da LRF), a Livraria Cultura (devedora) poderá alegar em sua defesa as causas excludentes da decretação de falência elencadas no art. 96 da Lei de Falências, com exceção, obviamente, da hipótese prevista no inciso VII, o qual estabelece que a apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação afasta a decretação da falência, uma vez que já se encontra em processo recuperacional.

Além disto, no mesmo prazo a devedora poderá, ainda, depositar o valor correspondente ao crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, sendo certo que neste caso a falência será elidida, ou seja, não poderá ser decretada (parágrafo único do art. 98 da LRF)

Se a devedora apenas depositar o valor, nos termos mencionados acima, o credor poderá levantar a quantia depositada e o pedido de falência será imediatamente extinto.

Por outro lado, se o depósito for acompanhado da contestação da devedora, ele servirá como caução para a hipótese da defesa não ser acolhida. De qualquer modo, a decretação da falência restará prejudicada e o processo será convertido em uma medida judicial de cobrança.

Portanto, considerando que a Livraria Cultura ainda sequer foi citada no processo falimentar, o risco mais iminente de decretação de falência se apresenta no próprio processo recuperacional. Todavia os credores devem estar atentos ao andamento de ambos os processos.

Esta comunicação, que acreditamos poder ser de interesse para nossos clientes e amigos da empresa, destina-se apenas a informações gerais. Não é uma análise completa dos assuntos apresentados e não deve ser considerada como aconselhamento jurídico. Em algumas jurisdições, isso pode ser considerado publicidade de advogados. Consulte o aviso de privacidade da empresa para obter mais detalhes.

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