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Nulidade de cláusula contratual de alienação fiduciária como garantia de bem de família em contrato de mútuo bancário

12 de fevereiro de 2019

 

Por Leonardo Neri

A alienação fiduciária de bem de família como garantia de empréstimo com instituição financeira pode ser configurada como negócio jurídico nulo, por violar expressa disposição da Lei nº 8.009/90 – proteção ao bem de família.

Entende-se por alienação fiduciária em garantia – regulada na Lei nº 9.514/97 – o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. 

Assim, a operação bancária pode revelar-se como violação ao texto expresso do artigo 1º, da Lei nº 8.009/90, acerca da impenhorabilidade do bem de família.

Corroborando tal entendimento, o próprio Código Civil inquina de nulidade cláusula contratual assim redigida, quando viola, por manobras obscuras, texto expresso de lei. Nesse raciocínio, são os dizeres do artigo 166, VI, do Código Civil: “É nulo o negócio jurídico quando: (…) VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa”.

Assim, verifica-se que tolerar tal conduta por parte dos bancos, seria o mesmo que não permitir ao Poder Judiciário penhorar bem de família, mas de forma contrária às instituições financeiras, que, visando a obtenção de lucro, estariam autorizadas a criar manobras por meio das quais, um bem de família garantiria um contrato de mútuo, autorizando-se excutir o bem imóvel em caso de inadimplência do consumidor hipossuficiente.

Vale frisar que a Constituição Federal apresenta princípios intrínsecos em seu texto de proteção a pessoa humana (artigo 1º, III), e a família (artigo 226), de modo que não se pode admitir que interesses financeiros venham ultrajar lei imperativa – impenhorabilidade do bem de família (artigo 1º, da Lei nº 8.009/90).

Deve-se atentar que a proteção ao bem de família deriva de um interesse público maior, inclusive social, na perspectiva da eficácia linear dos direitos fundamentais. Esse entendimento também é corroborado pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Marco Buzzi.

Observa-se, ainda, que qualquer interpretação da impenhorabilidade do bem de família, deve, obrigatoriamente, ser consubstanciada pelo direito fundamental à moradia – artigo 6º da Constituição Federal – de modo que não deve ser admitida renúncia ou qualquer espécie de transação judicial ou extrajudicial com tal garantia.

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que, por se tratar de matéria de ordem pública e de interesse social, reputa-se inválida a renúncia à proteção legalmente conferida ao bem de família.

A questão apresenta-se de forma ainda mais controversa nos contratos que denotam a natureza jurídica de contrato de adesão (artigo 54, Lei nº 8.078/90), na medida em que suas cláusulas são impostas pelas instituições financeiras de forma unilateral, não abrindo qualquer margem de negociação das tratativas com relação aos consumidores.

Neste diapasão, não é demais registrar que pelos próprios termos dos artigos 423 e 424 do Código Civil, deve-se promover interpretação em favor do contratante, e, assim, reputam-se nulas as cláusulas de renúncia antecipada ao aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Além do mais, ao se interpretar e aplicar as disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a alienação fiduciária do bem imóvel pertencente à entidade familiar, revela obrigação extremamente iníqua e abusiva, acarretando sua nulidade consoante redação incerta no artigo 51, IV, da Lei nº 8.078/90.

Verifica-se, ainda, que a previsão contratual de alienação fiduciária do imóvel familiar, importa em restrição a direito que ofende toda a sistemática do Código de Defesa do Consumidor.

E é neste sentido que devem incidir os instrumentos consumeristas, notadamente a inafastabilidade da jurisdição (artigo 6º, VII, da Lei nº 8.078/90), a fim de ver declarada a nulidade absoluta de cláusulas deste molde.

Importante ressaltar, também, que a doutrina moderna tem sustentado a mitigação do pacta sunt servanda, diante da função social dos contratos (artigo 421 e artigo 2.035, parágrafo único, Código Civil), e da boa-fé (artigo 422, do Código Civil e artigo 4º, III, e artigo 51, IV, da Lei nº 8.078/90).

Logo, não deve prevalecer a disposição contratual – como a alienação fiduciária de bem de família, na hipótese em que tal negócio jurídico, eivado de interesses meramente financeiros, violem lei imperativa, o direito fundamental à moradia, a dignidade da pessoa humana, e, ainda, todo o ordenamento lastreado na boa-fé objetiva.

Plausível, portanto, o reconhecimento da nulidade absoluta da alienação fiduciária em garantia do bem de família.

 

 

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