Por Vitor Ferrari, Rafael Mello e André Jerusalmy
Considerando a declaração de pandemia de SARS-Cov-2, causador da COVID-19, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a rápida escalada da doença no Brasil, adoção de medidas pelas autoridades governamentais como o fechamento de locais públicos, shoppings centers e comércio em geral, com algumas exceções, impõe-se o reconhecimento de risco iminente para economia das empresas que atuam e atendem em centros comerciais. É certo que por se tratar de locação, muitos dos desafios enfrentados pelas empresas também serão suportados pelos inquilinos que residem em imóveis alugados, porém por se tratar de um assunto mais delicado, uma vez que envolve direitos fundamentais, trataremos o tema em um artigo a parte.
De se registrar, ainda, que em 20 de março de 2020 o Congresso Nacional aprovou medida para declarar estado de calamidade pública nacional até dezembro de 2020, tendo sido adotada, na mesma data, medida similar pelo Governo do Estado de São Paulo.
Muito tem se falado da inegável ocorrência de força maior ou, como se denomina na doutrina internacional, act of god doctrine. Contudo, pouco se ouve das teorias da imprevisão (art. 317 do Código Civil Brasileiro) e da onerosidade excessiva (art. 478 do Código Civil Brasileiro). Vejamos:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Então, diante da pandemia do COVID-19, uma situação imprevisível e que impõe fechamento de lojas e comércios com prejuízos absolutamente relevantes, inclusive com queda de receitas a zero e, em alguns casos, perda de estoques perecíveis, como tratar as obrigações relacionadas ao aluguel mensal, taxa condominial e outras despesas mensais, a depender de cada contrato?
Não se pode ser simplista a ponto de afirmar que há um evento de força maior e que todos alugueis e despesas mantem-se inalterados, uma vez que há igualmente notória incidência da imprevisão e onerosidade excessiva, em especial se considerar que os espaços locados não estão sendo utilizados para nenhum fim.
Há que se considerar a magnitude dos fatos, bem como a situação que muitos irão se encontrar, não apenas locatários, mas também locadores, que por certo não possuem interesse em manter seus imóveis desocupados em meio a uma crise iminente. Assim, tanto locadores como locatários, por vezes corporações administradoras de shopping centers, irão se ver obrigados a, necessariamente, rediscutir e aditar seus contratos, visando o reequilíbrio contratual diante da excepcionalidade da situação, bem como a manutenção das atividades e relações contratuais para além do término dessa crise, que sem dúvida chegará ao fim em algum momento.
O ideal é que a questão seja tratada com bom senso. Contudo, é certo que a relação entre particulares pode não ser solucionada comercialmente e acabar sendo levada a uma resolução judicial, com a adequação, ou mesmo a resolução dos contratos de locação firmados nos estabelecimentos comerciais, sejam eles em centros comercias, shoppings ou “lojas de rua”.
Evidentemente, há de se sopesar os seguintes pontos:
- Por um evento de força maior, o imóvel comercial objeto do contrato de locação não está servindo para o objeto para o qual foi contratado, ainda que contra a vontade da empresa inquilina, o que causa uma onerosidade excessiva ao locatário que, dentre outros fatores estará impedido de se utilizar do local locado, e não conseguirá auferir renda para suportar a subsistência de seu negócio, e no escopo do tema, o pagamento do aluguel e manutenção da atividade empresária;
- Por sua vez, o locador, que detém a propriedade do imóvel direcionado ao comércio em geral responde por todos os ônus relativos a este, tais como despesas condominiais e impostos, não sendo interessante a este, conforme dito acima, mantê-lo vazio. Contudo, com o prosseguimento normal do contrato, com um imóvel que temporariamente não cumprirá com escopo para qual foi contratado, resultaria em um evidente desequilíbrio entre as partes.
O Código Civil Brasileiro, em linhas gerais, busca preservar as partes de distorções obrigacionais ocasionadas por situações inesperadas como a pandemia da COVID-19, permitindo, no limite, que o Poder Judiciário imponha readequação ou reequilíbrio da relação contratual, diante da imprevisibilidade dos fatos e da excessiva onerosidade imposta.
Infelizmente essa situação de desequilíbrio e onerosidade inesperada será vivida por milhares de locatários e locadores de imóveis comerciais, sendo recomendável que sejam iniciadas negociações entre as partes para a concessão de reduções ou carências, tanto para manter a viabilidade e continuidade da relação comercial quanto para prevenir litígios ou a desocupação indesejada dos imóveis.
Por fim lembramos que nesse momento o mais importante é a utilização de bom senso e da preservação de direitos devidamente balizada e orientada, para que, ultrapassada pandemia tenhamos a retomada das atividades para que se permita a perpetuidade dos negócios de todos os interessados.
Estamos à disposição dos nossos clientes para intermediar negociações para reequilíbrio contratual e também, se for necessário, obter proteção judicial em situações mais delicadas.