A recente aprovação do plano de reestruturação da Azul Linhas Aéreas pelo tribunal de falências de Nova York, em 12 de dezembro de 2025, representa um marco significativo não apenas para a companhia, mas para todo o setor aéreo brasileiro. O caso evidencia a complexa interação entre as legislações de diferentes países e a importância de mecanismos de reestruturação eficientes para empresas que operam em um mercado globalizado e com uso intensivo de capital, como a aviação.
O Plano de Reestruturação da Azul
O plano aprovado, que contou com o apoio de mais de 90% dos credores, é uma arquitetura completa de reestruturação que vai além de uma simples renegociação de dívidas. Ele prevê a conversão de parte da dívida em ações (equity), a readequação dos contratos de leasing de aeronaves e a injeção de novo capital, permitindo que a companhia saia do processo mais leve e com uma estrutura de capital mais sustentável.
Os principais pontos do plano podem ser resumidos na tabela abaixo:
| Componente | Detalhes |
| Redução de Dívida | A dívida líquida será reduzida de aproximadamente US$ 7 bilhões para US$ 3,7 bilhões. |
| Leasing de Aeronaves | Redução de 28% nas obrigações de leasing, com um acordo relevante com a AerCap, uma das maiores empresas de arrendamento de aeronaves do mundo. |
| Novos Investimentos | Captação de até US$ 950 milhões, incluindo investimentos estratégicos da United Airlines e da American Airlines. |
| Alavancagem | A alavancagem financeira da companhia, medida pela relação entre dívida líquida e Ebitda, deve cair para 2,5 vezes, um nível considerado saudável para o setor. |
O Desafio da Recuperação Judicial no Brasil para Companhias Aéreas
O caso da Azul joga luz sobre um obstáculo jurídico significativo para a recuperação judicial de companhias aéreas no Brasil. A Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/2005) possui uma particularidade que reduz drasticamente a sua eficácia para empresas do setor aéreo: a exclusão dos contratos de arrendamento mercantil (leasing) de aeronaves dos efeitos da recuperação.
O artigo 199 da lei, alterado em 2005, estabelece que os direitos do arrendador de aeronaves são preservados, ou seja, eles não se submetem à suspensão de 180 dias (o chamado stay period) que paralisa as ações e execuções contra a empresa em recuperação. Na prática, isso significa que o credor de um contrato de leasing pode pedir a retomada da aeronave a qualquer momento, mesmo que a empresa esteja em processo de recuperação judicial.
Como a frota da maioria das companhias aéreas é composta por aeronaves arrendadas, essa exceção legal torna a recuperação judicial no Brasil um instrumento pouco eficaz para o setor, pois não protege o ativo mais essencial para a continuidade das operações da empresa.
A Alternativa do Chapter 11 e a Cooperação Internacional
Diante das limitações da legislação brasileira, a Azul, assim como outras companhias aéreas latino-americanas (como a LATAM e a Gol), optou por buscar a proteção do Chapter 11 da lei de falências dos Estados Unidos. O Chapter 11 é um mecanismo mais flexível e abrangente, que oferece uma série de vantagens em relação à recuperação judicial brasileira, especialmente para empresas com operações e dívidas internacionalizadas.
A tabela a seguir compara os dois regimes:
| Característica | Recuperação Judicial (Brasil) | Chapter 11 (EUA) |
| Leasing de Aeronaves | Excluído da proteção | Incluído na proteção |
| Financiamento (DIP) | Menos desenvolvido e mais lento | Mercado maduro e ágil |
| Segurança Jurídica | Maior variabilidade de decisões | Processo mais previsível |
| Credores Internacionais | Menos familiarizados | Amplamente conhecido e aceito |
A Relevância da Recuperação Judicial no Cenário Nacional
É fundamental ressaltar, no entanto, que a escolha da Azul pelo Chapter 11, motivada pela segurança jurídica e pelas particularidades de sua operação, não diminui a importância do instituto da Recuperação Judicial no Brasil. Para a grande maioria das empresas brasileiras em dificuldade, a Lei nº 11.101/2005 continua sendo o principal e mais adequado instrumento para a superação de crises financeiras.
O procedimento nacional foi desenhado para a realidade da economia brasileira e oferece um caminho estruturado para que empresas de diversos setores possam renegociar suas dívidas, preservar suas atividades, manter empregos e, em última instância, garantir sua função social. A recuperação judicial brasileira, apesar de seus desafios, tem sido fundamental para a sobrevivência e reorganização de inúmeras companhias, protegendo credores e a economia como um todo. A opção por um processo transnacional como o Chapter 11 é uma exceção estratégica, aplicável a um perfil específico de empresa, e não a regra.
O caso da Azul demonstra que, em setores com dívida internacionalizada e uso intensivo de ativos arrendados, a questão não é se a empresa vai se reestruturar, mas onde e com quais ferramentas jurídicas isso será feito com mais eficiência. A escolha pelo Chapter 11 evidencia as limitações da legislação brasileira para lidar com a complexidade das operações de companhias aéreas, mas não invalida a recuperação judicial como ferramenta essencial para o cenário empresarial brasileiro.
A reestruturação bem-sucedida da Azul, combinando a proteção do Chapter 11 com a cooperação da justiça brasileira, serve como um importante precedente e um lembrete da importância de se ter alternativas e de se aprimorar os mecanismos de recuperação de empresas, essenciais para a saúde da economia e a manutenção de empregos.