Por: Antonio Carlos Mazzucco e André Jerusalmy
Em operações de fusões e aquisições (“M&A”), diversas informações confidenciais e sigilosas precisam ser divulgadas em determinada etapa das negociações. Isso deve ser feito de forma segura e organizada, com a certeza de que a parte que irá receber tais informações esteja obrigada a respeitar a sua natureza confidencial tomando todos as precauções para evitar a sua divulgação, o que poderia acarretar enormes prejuízos.
Para proteger tais informações e determinar os limites de tal proteção, as partes envolvidas na operações costumam assinar Contratos de Confidencialidade (ou NDA – Non-Disclosure Agreements). Neste artigo, indicaremos os principais aspectos desses contratos e sua fundamental relevância para o bom andamento de M&As.
À primeira vista, pode parecer que tais acordos seguem uma padronização quase que universal, na medida em que tanto vendedores quanto compradores costumam possuir uma minuta padrão. No entanto, esses documentos contêm termos críticos que não devem ser aceitos como padronizados, pois há inúmeras cláusulas que requerem atenção especial e que não devem simplesmente ser aceitas sem uma avaliação criteriosa.
Diferentemente de uma oferta não-vinculativa de aquisição (NBO), um NDA tem natureza vinculativa e obrigatória e, como tal, deve-se tomar todo o cuidado com cláusulas tidas erroneamente como padrão e sem maiores implicações.
Na verdade, é necessário verificar que o NDA se adeque verdadeiramente à transação que se pretende realizar e à situação das partes. Minutas padrão costumam não endereçar questões que podem ser críticas para a transação e muitas vezes trazem condições que não se encaixam à realidade das partes. Um exemplo disso são cláusulas com penalidades que ultrapassam em muitas vezes o faturamento das partes envolvidas, e que quando enfrentadas em eventual litígio tendem a ser revistas.
Reciprocidade (ou não):
As minutas de NDA podem ou não prever reciprocidade, ou seja, podem proteger as informações divulgadas por uma das partes ou por ambas as partes. Um NDA recíproco não faz sentido em um contexto de M&A em que apenas uma das partes será objeto de uma due diligence. A apresentação de um NDA recíproco para essas situações já indica que o documento não foi feito considerando-se as particularidades do negócio.
Os vendedores devem evitar a reciprocidade uma vez que não esperam receber informações sigilosas sobre os negócios de um possível comprador. Como tal, não há necessidade de um NDA prevendo reciprocidade, salvo com relação a informações relativas à capacidade financeira que podem ser exigidas pelo vendedor do comprador, com o fim de garantir que a operação será paga. Todavia, isso pode ser objeto de detalhamento no documento de oferta, ao invés de se prever uma reciprocidade genérica.
Um NDA que proteja as informações que serão divulgadas pelo vendedor é, portanto, fundamental e muito mais apropriado para um M&A.
Quais os elementos importantes?
Um NDA não deve ser longo e nem complexo. Documentos bem elaborados costumam ser concisos e objetivos. Os elementos importantes em um NDA são os seguintes:
● Delimitação das informações tidas como confidenciais;
● A finalidade da utilização das informações pela parte que as recebe;
● As informações excluídas da obrigação de sigilo;
● A forma como as informações devem ser guardadas e protegidas;
● O prazo da obrigação de sigilo; e
● As consequências em caso de violação das obrigações de sigilo.
Quais Informações podem ser consideradas como confidenciais?
A definição das informações que devem ser tidas como confidencias é fundamental. Isso porque na maioria dos casos essas informações não estão catalogadas ou identificadas como tal.
Por outro lado, a parte que irá divulgar as informações deseja que a abrangência do conceito de confidencial seja a mais ampla possível. E a parte que irá receber as informações pretende limitar essa mesma abrangência ou mesmo ter uma clara identificação sobre o que é ou não confidencial.
Informações verbais, por sua vez, têm um tratamento mais difícil. Nesse caso, há a necessidade de se criar evidências da sua divulgação.
Finalidade da utilização das informações pela parte que as recebe:
A finalidade de utilização das informações pela parte que as recebe é muito clara: devem ser utilizadas unicamente para a avaliação da oportunidade de aquisição.
O NDA deve prever claramente a proibição de utilização das informações para qualquer outra finalidade.
Informações excluídas da obrigação de sigilo
As exclusões de sigilo normalmente tratam de situações em que a parte estaria desobrigada da obrigação de confidencialidade assumida. As situações mais comuns são:
● Informações que já sejam de conhecimento da parte que as recebe;
● Informações de domínio público;
● Informações desenvolvidas pela parte que as recebe sem qualquer utilização das informações confidenciais; ou
● Informações divulgadas à parte que as recebe por terceiros, sem violação dos direitos da parte protegida pelo NDA.
As exclusões acima costumam ser padronizadas nos NDA. A grande questão é como saber se a parte que recebe as informações pode legitimamente se beneficiar de qualquer dessas exclusões.
De qualquer maneira, as exclusões devem ser cuidadosamente avaliadas pela parte que irá divulgar as informações para assegurar que nenhuma dessas exclusões possa criar embaraços à obrigação de sigilo que se pretende obter da outra parte. Dependendo da importância, cuidados adicionais podem ser tomados, tais como a clara identificação da natureza confidencial das informações.
As exclusões também devem ser avaliadas sob a perspectiva das obrigações que a parte recebedora possa ter com agências regulatórias, como por exemplo a CVM (Comisão de Valores Mobiliarios) e a B3. Há que se considerar se qualquer dessas obrigações possa comprometer as obrigações de sigilo.
A forma como as informações devem ser guardadas e protegidas
É comum que o NDA estipule a obrigação de devolução das informações e de destruição após o término da transação. Em geral, tanto a obrigação de devolução quando de destruição são de difícil implementação e fiscalização. Por essa razão, o ideal é que as condições de guarda e manutenção de confidencialidade das informações estejam claras. Nesse sentido, é muito comum que as informações sejam trocadas exclusivamente por meio de plataformas digitais que possuem controles de transmissão, guarda e visualização dos documentos (Data Room).
A obrigação de proteção das informações deve estar muito bem estabelecida no NDA, inclusive se haverá a previsão de contratação de Data Room, bem como irá arcar com tais serviços.
É de fundamental importância que a parte receptora tome todas as medidas para evitar a divulgação de informações confidenciais a terceiros, preferencialmente detalhando sobre a forma como as informações serão tratadas. Nesse sentido, não é incomum haver a previsão sobre a exigência de assinatura de compromisso de sigilo aos colaboradores do comprador que venham a ter acesso às informações, bem como dos prestadores de serviços envolvidos na transação. Esse padrão de conduta deve estar muito bem delineado no NDA.
O prazo da obrigação de sigilo:
Muito embora a parte cujas informações sejam protegidas pelo NDA possa desejar que a obrigação de sigilo perdure eternamente, essa não é uma prática de negócios. Quanto ao prazo em si, há que se verificar caso a caso e nada impede que em um mesmo documento haja prazos diversos à depender da natureza das informações fornecidas. Todavia, a maioria dos contratos eu estipula prazos que variam entre dois e cinco anos.
Penalidades – Consequências da violação das obrigações:
Outra questão que costuma merecer atenção é a questão da multa ou pré-liquidação de perdas e danos no caso de violação das obrigações do NDA. A esse respeito, vale lembrar que um processo de liquidação de prejuízos pode demandar muito tempo e muitas vezes as provas podem ser de difícil produção. Como tal, a estipulação previa de indenização ou multa tende a ser uma melhor solução.
Conforme mencionado acima, é importante levar em consideração que a multa deve levar em consideração o tamanho do negócio em discussão, bem como a capacidade financeira das partes. Assim, ao mesmo tempo que a multa deve servir para evitar a quebra da confidencialidade, ela também ser compatível com as realidade das partes envolvidas.
Outros ajustes e estipulações
A troca de informações em um processo de M&A costuma ocorrer ao longo do tempo. A parte vendedora, junto com seus assessores, deve definir as informações que serão fornecidas em um primeiro momento e outras que apenas serão fornecidas a partir do amadurecimento do negócio.
Exemplo de informações sensíveis são aquelas sobre fornecedores e clientes. Um dos critérios a serem utilizados diz respeito à necessidade e importância das informações para que o comprador faça a sua avaliação do negócio. Considerando que a avaliação é feita com base em critério de geração de caixa, informações confidenciais relativas a questões técnicas também não serão necessárias para tal finalidade. Portanto, o ideal é que, sem prejuízo de se negociar os detalhes do NDA, o vendedor estabeleça critérios bastante objetivos sobre a necessidade de divulgação de determinadas informações e sobre o momento oportuno para fazê-lo.
Outras disposições importantes dizem respeito também à não solicitação de empregados e colaboradores, pois em grande parte dos casos estes carregam consigo informações importantes sobre o negócio.
Deve-se lembrar que o NDA não cria nenhuma obrigação de conclusão do negócio para nenhuma das partes. Isso deve criar uma preocupação ainda maior do vendedor e como tal o NDA deve ser elaborado com atenção e cuidado.