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Alterações da Lei de Recuperação Judicial e Falências – Projetos de Lei que tramitam no Legislativo

31 de janeiro de 2020

Por Vitor Ferrari

A Lei de Recuperação Judicial e Falência apesar de relativamente recente (entrou em vigor em 2005), e que vem servindo como útil ferramenta na manutenção das atividades das empresas endividadas em virtude da crise política e comercial vivida nestes últimos anos, já exigiu algumas adequações ao longo de sua existência.

Em 2015, após 10 anos em vigor, iniciaram tentativas de alteração do texto desta Lei que substituiu o Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, a qual permaneceu incólume por 60 anos. Essas tentativas se materializaram em 2018, com Projeto de Lei 10.220/18 o qual vem sendo criticado em sua essência por diversos operadores do direito.

Contudo, o atual governo adotou um regime de urgência para andamento dos projetos de reforma, e, aparentemente vem se pautando nos seguintes pontos:

  • Transparência no processo de recuperação judicial;
  • Celeridade e eficiência no processo de recuperação judicial;
  • Amplo tratamento aos passivos da empresa, levando em consideração o impacto social da crise sobre a empresa;
  • O prestígio da vontade dos credores;
  • Da liberdade contratual e do respeito a disponibilidade do direito privado;
  • Desburocratização e democratização do processo de recuperação judicial;

O regime de urgência mencionado foi adotado no final do último semestre de 2019 foi motivado não somente pelo texto já compilado no PL 10.220/18, como também na análise de 06 (seis) Projetos que alteram textos pontuais da Lei em vigor, a seguir relacionados:

  • PL 10859/2018 – Inclui parágrafo no art. 6º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, determinando que, na execução fiscal, os atos que importem em constrição do patrimônio do devedor devem ser analisados pelo Juízo recuperacional, a fim de garantir o princípio da preservação da empresa. Referido projeto consolida a ideia do Juízo Universal da Recuperação Judicial.
  • PL 1058/2018 – Modifica o inciso III do art. 51 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, determinando que o pedido de recuperação judicial deve ser instruído com a relação completa de todos os credores do devedor, sujeitos ou não à recuperação judicial, inclusive fiscais. Tal medida visa apresentar ao Juízo e aos credores interessados um completo e adequado conhecimento da situação econômico-financeira do devedor.
  • PL 11000/2018 – Acrescenta parágrafo ao art. 35 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, disciplinando que as alterações do plano de recuperação judicial devem ser submetidas à assembleia geral de credores. Referido acréscimo já vem ocorrendo na prática, de forma de aprovação de um novo Plano de Recuperação.
  • PL 3164/2019 – Altera o caput do art. 7º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a fim de evitar que o Administrador Judicial durante a fase de verificação e habilitação de créditos, constitua ou revise negócios jurídicos, ou, menos ainda, desconstitua créditos sem que tenha competência para tanto.
  • PL 5760/2019 – Altera os arts. 102 e 103 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que “Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária”, para fins de estabelecer novas regras de inabilitação do falido e de gestão da massa falida.
  • PL 4108/2019 – Institui o Marco Legal do Reempreendedorismo por meio da alteração da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência e estabelece o procedimento extrajudicial de encerramento da atividade das microempresas e empresas de pequeno porte.

Como dito, esses projetos alteram pontualmente o texto da Lei em vigor, sendo certo que com a sua confirmação serão acrescidos ao PL 10.220/2018, o qual altera de forma contundente o procedimento legal, atingindo devedores e credores e a própria atuação do Magistrado na condução do processo.

Remanesce nesse projeto os destaques e críticas abaixo que, se aprovados, trarão modificações relevantes aos procedimentos de Recuperação e Falência:

  • Modificação na regra de competência – o projeto pretende concentrar as Recuperações Judiciais nas capitais dos Estados da Federação, as quais, em tese, possuem varas especializadas com relação a matéria recuperacional e falimentar. Assim, caso a RJ possua um passivo superior a 300.000 (trezentos mil) salários-mínimos, hoje um valor de R$ 313 milhões, o feito tem como competente os foros especializados de suas capitais. Nitidamente tal determinação afeta sobremaneira devedores e credores, haja vista a necessidade de deslocamento para realização de atos e a total inobservância das dificuldades que será imposta ao Juízo quanto a verificação do feito por seus agentes; 
  • Atos Oficiais e disponibilizados na Internet – Acertado o entendimento de que todos os atos devem ser disponibilizados na Internet, dando-se plena publicidade a todos os interessados. Contudo, frise-se que a disponibilização em si não pode e nem deve simplesmente substituir os atos Oficiais publicados nos Diários Oficiais, mas sim funcionar e integrar a informação de forma concomitante. Assim, em virtude do projeto, caso aprovado, os atos oficiais deverão ser disponibilizados e permanecer acessíveis em websites mantidos pelo Administrador Judicial de forma obrigatória; 
  • Alteração no início da contagem e aplicabilidade do stay period. Prazo de duração- A modificação da Lei visa que, o período de segurança contra ações e execuções concedido ao credor seja imediatamente aplicado no momento a propositura da Recuperação Judicial, fato que hoje depende do deferimento do processamento da Recuperação Judicial. Tal medida pode ser entendida de forma positiva, haja vista a necessidade de os Devedores, normalmente, dependerem do deferimento do processamento para, só ai, estancarem as medidas constritivas adotadas pelos credores

Ainda, mas não menos importante, é que, segundo o projeto, o período de 180 dias sai de cena, sendo que o stay period perduraria até o encerramento da Recuperação Judicial. Acreditamos que referido ponto acabará sendo modificado por pressão dos credores financeiros, haja vista que, mesclando os textos legais, todas as ações e execuções referentes a créditos anteriores a propositura da RJ (art. 6º da 11.101/05) resultaria na suspensão das medidas executórias de créditos até os 2 anos seguintes da aprovação do plano de recuperação (cf. art. 63 da 11.101/05). 

  • Alterações na forma da nomeação do Administrador Judicial – referido texto propõe que seja aberto verdadeiro procedimento de disputa entre os profissionais e empresas que atuam na área, sendo que a nomeação após referido procedimento pode vir a ser questionada por credores, pelo Devedor e pelo MP, cabendo ao Magistrado a nomeação com a fixação dos honorários. Assim, não somente o devedor poderia se opor a nomeação do AJ, ou a fixação de seus honorários, como também os credores, fato este que pode vir a resultar no crescimento exponencial de Recursos diante das Câmaras Especializadas dos Tribunais de Justiça de todo o País, pela simples discordância quanto a pessoa do AJ, ou mesmo a remuneração a ela atribuída.

Essa proposta tende a afastar profissionais gabaritados e experientes na área, os quais serão substituídos por empresas que, ao longo dos anos, já vem se massificando como Administradoras nas RJs por todo o País. 

  • Alterações quanto ao Plano de Recuperação Judicial – O projeto em si alterações ao procedimento legal como um todo, mas denota mais atenção o quanto estabelecido ao Plano de Recuperação Judicial, pois altera não somente o prazo de sua apresentação, majorando-o, como também inclui neste documento de suma importância a todo o procedimento a classificação dos créditos e dos credores. Ainda,

Prazo – Referido prazo de apresentação passaria de 60 para 90 dias corridos[1] após a propositura da Recuperação Judicial;

Credores e Classificação dos Créditos – As classes como conhecidas são extintas pelo projeto, que estabelece que as classes serão definidas conforme estabelecido pelo próprio plano de recuperação judicial. De forma ainda não regular, a proposta ainda prevê que os credores de cada classe devem possuir interesses equivalentes, decorrentes da natureza ou importância do crédito, ou de critério estabelecido e justificado pelo devedor no momento da apresentação do plano, fato que deverá ser aprovado pelo Juiz.

Votação do Plano independeria da concordância do Devedor – ­Em total contrariedade ao que está estabelecido na Lei 11.101/05, caso se tenha encerrado o prazo legal sem que tenha sido realizada a assembleia geral de credores, abrir-se-ia a possibilidade de se colocar em votação plano que não obtenha a expressa concordância do devedor, ano nosso ver, em total desatenção ao estabelecido e resguardado pela LRF hoje. Contudo, seriam requisitos para tal votação: (A) conte com o apoio por escrito de credores que representem mais de um terço dos créditos totais sujeitos à recuperação e que tenham negociado de boa-fé; (B) não atribua obrigações novas aos sócios do devedor e (C) não implique sacrifício do capital dos sócios do devedor maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência. Fato é que hodiernamente, tal previsão beneficia única e exclusivamente os credores financeiros, colocando em xeque os princípios legais da Recuperação Judicial.

  • Redução dos Direitos do Devedor – Além do já mencionado quanto a possibilidade de votação de PLRJ sem a concordância do Devedor, o maior interessado na Recuperação Judicial, o Projeto de Lei ainda impõe proibição a distribuição de lucros ou dividendos da Companhia a seus sócios e administradores, primando pelo pagamento dos credores. 
  • Atualização monetária na Recuperação Judicial – De acordo com o projeto, os créditos sujeitos serão atualizados do pedido de recuperação até a concessão do plano de recuperação judicial, pelo índice da caderneta de poupança. Tal fato não ocorre hoje, haja vista que os créditos são congelados até a data da concessão da recuperação judicial. 

Observa-se com a análise deste últimos pontos acima que o PL 10.220/18 trata com extrema frieza a questão da manutenção das atividades empresárias, tornando o procedimento de recuperação judicial como uma medida de simples redução de danos em curto espaço de tempo, não se atentando que a Recuperação de uma Empresa em nítida dificuldade financeira demanda de tempo para retomada de suas regulares atribuições e cumprimento de suas obrigações.

[1] acolhe a orientação recente do STJ (REsp 1.699.528, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg. 10/4/2018, acórdão pendente de publicação), segundo a qual os prazos da lei 11.101/2005 devem ser computados em dias corridos.

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Vitor Ferrari

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vitor.ferrari@br-mm.com

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