A Autonomia Municipal e o desenvolvimento Urbano

Por: Leonardo Neri

O artigo 18[1], da Constituição Federal estabelece que a organização político-administrativa da República compreende a União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, sendo todos autônomos, não havendo hierarquia entre os entes federativos. Quer dizer, todos possuem regras de competências claras e distintas, emanadas pela Carta Magna.

Neste sentido, a jurisprudência Constitucional do Supremo Tribunal Federal, a fim de garantir a atuação harmônica entre as unidades federativas e, principalmente, para a preservação da autonomia municipal, como se observa nos Acórdãos do RE 1151237, RE 626946, RE 591033, ADI 1.842, PET. 3.388 RORAIMA, todos são unanimes em afirmar a autonomia do Município.

Os Municípios possuem competência legislativa e suplementar, ou seja, a Constituição atribuiu aos interesses locais supremacia em determinados temas, materializada pela sua capacidade de organização, governo, administração e legislação, inclusive, competência para a proteção e a preservação do patrimônio.

No entanto – como previsto por Montesquieu, em O Espírito das Leis – essa organização Político-Administrativa somente se viabiliza por meio do sistema de Freios e Contrapesos, ou seja, será lícito que exista intervenções nestas autonomias federativas, porém quem às autoriza é a mesma Constituição. Como se observa nos artigos 34, 35 e 36, da Carta Magna[2].

A atuação harmônica entre as unidades federativas pressupõe um equilíbrio entre os entes que devem estar associadas com a ordem constitucional. Há aqui o desafio de equilíbrio entre simetrias – Estados, Distrito Federal e Municípios adotem em suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas, os princípios fundamentais e as regras de organização existentes na Constituição da República, principalmente, relacionadas a organização de seus órgãos e limites de sua própria atuação e autonomias.

O tema ganha contornos dramáticos quando somos surpreendidos por decisão do Governo do Estado de São Paulo em promover Concessão de importante trecho rodoviário, denominado Litoral Paulista, com vício material, pois pretende conceder vias locais do Município de Mogi das Cruzes.

Tanto que, mal publicado o Edital de Licitação Internacional, ocorreram, ao menos, duas ações coletivas[3], questionando a autonomia municipal e o abuso de direito do Governo do Estado em incluir vias municipais na concessão.

Na Ação Civil Pública, a decisão liminar suspendeu o edital de licitação para a concessão dos serviços públicos de ampliação, operação, manutenção e realização dos investimentos em rodovia estadual, com pedido de mérito para declarar a nulidade do referido edital, pois, como dito alhures, algumas vias públicas municipais são englobadas pelo projeto de concessão. Dentre os fundamentos do Município, encontra-se a quebra da sua autonomia sobre seu próprio território e patrimônio urbano.

No entanto, em que pese a possível quebra da autonomia alegada pelo Município, no que diz respeito a falta de consulta pelo Estado para alterações que decorreriam da concessão de trechos de rodovia estadual que passam pelo trecho urbano, é sabido que a concessão de serviço público para o setor privado é a forma encontrada pela Administração para garantia de qualidade, investimentos e eficiência na prestação de serviços.

Assim, como para a prestação de alguns serviços o Estado precisa interferir no território urbano, como por exemplo, para a prestação de serviços de gás canalizado, que são explorados diretamente pelos Estados ou pelo setor privado, mediante concessão.

Seguindo a lógica alegada pelo Município de Mogi das Cruzes, a população desta cidade não poderia ter gás canalizado, uma vez que para a distribuição local desse serviço, há a necessidade de instalação, manutenção e outros procedimentos em trechos urbanos, por empresas privadas, com cobrança pela prestação do serviço.

Da mesma forma, a excepcionalidade vivida em decorrência da pandemia do Coronavírus, no qual os Estados, ditam normas que são seguidas por Municípios, como o fechamento do comércio, por não existirem dispositivos legais capazes de traduzir os riscos. Apesar das medidas serem acatadas por quase todos os Municípios, alguns discordam da interferência do Estado e ajuízam ações para afastá-las.

Por isso, para garantia do interesse público na prestação do serviço de forma eficiente, e para que as decisões que possam interferir na funcionalidade do bem público sejam pautadas em fundamentos técnicos, a intervenção não está relacionada com o domínio do interesse do Estado sobre o interesse do Município, mas de proteção de um bem maior, a segurança do sistema e da população.

Ainda, observa-se que o Poder Público deve prezar pelo interesse do cidadão, tendo em vista o princípio da soberania do interesse público sobre o interesse privado e, por isso, a necessidade do funcionamento harmonioso entre as unidades federativas, pressupondo um equilíbrio entre os entes. Nesse caso, a intervenção do Estado no Município é de interesse comum e a realização de obras no trecho urbano, no caso da ação civil pública interposta pelo Município de Mogi das Cruzes, não seria incompatível com a autonomia municipal, uma vez que o interesse naquele caso, não é apenas do Estado, mas comum, também, aos Municípios envolvidos nas obras de licitação, tornando-se, portanto, benéfica ao agrupamento urbano.

 

 

[1] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

[2] Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I – manter a integridade nacional; II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei; VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: I – no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário; II – no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral; III – de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) IV – (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 1º O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas. § 2º Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas. § 3º Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. § 4º Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal.

[3] 1010743-07.2021.8.26.0361 – Ação Civil Pública Cível – Ato Lesivo ao Patrimônio Artístico, Estético,

Histórico ou Turístico – Requerente: Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes e Ação Popular nº 1029494-93.2021.8.26.0053.

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