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Considerações sobre o Teletrabalho: Regulação e Contextualização em razão da pandemia

18 de maio de 2021

Por: Rafael Mello e Israel Cruz

O teletrabalho foi regulamentado no Brasil em 2017 através da promulgação da lei 13.467/2017, também conhecida como “reforma trabalhista”. De acordo com a regulamentação em questão, foi expressamente tratada a possibilidade da contratação de empregado para exercer suas atividades de forma remota mediante ferramentas tecnológicas.

Para este tipo de regime o legislador teve o cuidado de trazer regras próprias com especial destaque à exclusão deste regime de trabalho da marcação de horário, bem como a possibilidade de que o contrato de trabalho preveja à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

Importante destacar que este tema tomou maior relevância quando da implementação de medidas contra a o contágio ao COVID-19.

Logo no início da pandemia o tema foi objeto de ações do Ministério Público do Trabalho e sindicatos que notificaram diversas empresas de maneira administrativa para implementação deste regime de trabalho chegando, inclusive, a ocorrer o ajuizamento de ações civis públicas buscando a implementação obrigatória de teletrabalho para os serviços essenciais.

A maior discussão sobre o tema residiu na legalidade quanto a determinação compulsória de implementação de teletrabalho para os empregados dos serviços categorizados como essenciais, em que pese, muitas empresas terem praticado este tipo de procedimento desde o início da pandemia.

Por exemplo, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública requerendo a implantação compulsória de home office para todos os empregados em grupo de risco de uma emissora de radiodifusão no Estado do Mato Grosso. Em primeira instância o pedido foi julgado improcedente e, em grau de recurso, o Tribunal Regional da 23ª Região decidiu manter a sentença sob o fundamento de que a empresa já vinha cumprindo essa diretriz de forma espontânea e voluntária, porém sinalizou que inexiste obrigação legal para a imposição da referida modalidade de trabalho:

RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR (MPT). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PANDEMIA DE CORONAVIRUS. SERVIÇOS ESSENCIAIS. RADIODIFUSÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. IMPLEMENTAÇÃO DO TELETRABALHO A TODOS OS EMPREGADOS PERTENCENTES A GRUPO DE RISCO, EM ESPECIAL PESSOAS COM IDADE IGUAL OU SUPERIOR A 60 ANOS. IMPOSSIBILIDADE. AUSENCIA DE PREVISÃO LEGAL. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FORMA ESPONTÂNEA PELA RÉ. A Lei n° 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia do Coronavirus, veda a adoção de providências que tenham o condão de inviabilizar a execução de qualquer serviço essencial (art. 3°, § 99), o que vai ao encontro do Decreto Federal nº 10.282 /2020 (art. 3º, § 3º). Na medida em que a Re executa serviços de radiodifusão sonora, atividade dita essencial, na forma do referido Decreto Federal, não se verifica, entre aquelas normas editadas com o intuito de conter a pandemia causada pela Covid-19, alguma com força cogente a impor o afastamento obrigatório de trabalhadores inclusos no grupo de risco, especificamente em atividades consideradas essenciais. Ainda que a Portaria conjunta do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e do Ministério da Saúde n° 20, de 18/06/2020, tenha estabelecido atenção prioritária aos trabalhadores com 60 anos ou mais, nada dispôs acerca daqueles trabalhadores que prestam serviços em atividades essenciais. No mais, tal como constatado pela vigilância sanitária, antes mesmo da citação da empregadora, esta já vinha cumprindo, espontaneamente, com a recomendação de afastamento dos trabalhadores em grupo de risco, em atenção ao art. 10 do Decreto Municipal de Cuiabá/MT n° 7.886, de 20/04/2020. Nesses termos, mantem-se a sentença que julgou improcedente o pedido do MPT, o qual pretendia a condenação da Re na obrigação de fazer consistente em providenciar o imediato afastamento, sem prejuízo de salários de todos os empregados pertencentes a grupo risco. em especial pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Recurso do Parquet ac qual se nega provimento. (TRT-23- ROT: 00005648720205230009 MT, Relator: WANDERLEY PIANO DA SILVA, Gab. Des. Bruno Weiler. Data de Publicação: 05/02/2021)

Em outra ação similar o sindicato representante dos empregados dos Correios buscou o fechamento integral de agências e migração obrigatória para o modo de trabalho telepresencial, sob o argumento da existência de empregados contaminados. Esse pedido, avaliado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região de São Paulo, foi também refutado com o argumento de que a atividade desempenhada pelos Correios é essencial e, considerando as peculiaridades da própria atuação desses empregados, não seria possível a manutenção do atendimento de forma remota e traria prejuízos ao interesse público. Vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA. FECHAMENTO DE UNIDADE DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – EBCT EM RAZÃO DA PANDEMIA PROVOCADA PELO COVID-19. SERVIÇO POSTAL É DEFINIDO COMO ATIVIDADE ESSENCIAL PELO DECRETO Nº 10.282/2020. IMPOSSIBILIDADE DE TRABALHO REMOTO. Na hipótese em que alguns empregados da impetrante testaram positivo para o COVID-19, não se afigura lícito determinar que todos os empregados da unidade CDD Santo Antônio poderiam trabalhar de forma remota com prejuízo para as atividades postais. Os incisos XII, XXI e XXII do § 1º do art. 3º do Decreto nº 10.282/2020 trataram como serviços essenciais que não podem ser interrompidos a produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, limpeza, alimentos, bebidas e materiais de construção; serviços postais; serviços de transporte, armazenamento, entrega e logística de cargas em geral. Os artigos 3º e 4º da Lei nº 6.538/1978 definem os serviços postais como obrigatórios, contínuos e universais. Há neste caso a colisão de 2 princípios fundamentais merecedores de idêntica proteção: supremacia do interesse público art. 5º, XXIV e XXV, da CF) que preconiza o funcionamento permanente do serviço postal e de entregas (art. 2º da Lei nº 6.538/1978 c/c art. 2º do Decreto-lei nº 509/1969) e a proteção do trabalhador (caput e inciso XXII do art. 7º da CF) que orienta a busca por um ambiente seguro e saudável (inciso VIII do art. 200 da CF). Os princípios como mandamentos de otimização podem ser aplicados em maior ou menor grau no caso concreto. Isso significa que no caso de colisão de princípios deve-se sopesar os valores envolvidos e dimensionar quais tem maior peso do que outros de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Essa é a técnica da ponderação prevista no § 2º do art. 489 do CPC e já consagrada pela doutrina de Robert Alexy. Adota-se a máxima da proporcionalidade defendida por Robert Alexy que se desdobra em 3 dimensões ou máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A decisão da autoridade impetrada ao afastar todos os trabalhadores da unidade CDD Santo Antônio para trabalho remoto diante da constatação de que havia 2 empregados contaminados pelo COVID 19 sacrificou em demasia a supremacia do interesse público. Isso porque não há possibilidade de que todos os empregados lotados no CDD trabalhem de forma remota. O afastamento indiscriminado de todos os empregados lotados no CDD Santo Antônio para trabalho remoto acabou por comprometer o regular funcionamento do serviço postal e de logística da impetrante com consequências catastróficas para toda comunidade. A referida decisão viola direito líquido e certo pois afronta o disposto nos incisos XII, XXI e XXII do § 1º do art. 3º do Decreto nº 10.282/2020, artigos 2º, 3º e 4º da Lei nº 6.538/1978, Decreto-lei nº 509/1969, art. 1º, inciso II do art. 3º, artigos 5º e 43 e inciso VII do art. 170 da CF). Por outro lado, as medidas adotadas pela impetrante concernentes ao afastamento dos trabalhadores doentes e daqueles mais próximos, além da higienização do local, contemplam na medida do possível a proteção da saúde dos empregados sem comprometer o regular funcionamento da atividade essencial.
(TRT-2 10020431320205020000 SP, Relator: MARCELO FREIRE GONCALVES, SDI-8 – Cadeira 2, Data de Publicação: 25/08/2020)

Como se sabe, o regime de trabalho telepresencial largamente utilizado durante o período pandêmico que ainda enfrentamos tem se mostrado uma valiosa ferramenta de proteção da saúde dos trabalhadores, de seus empregos e da sobrevivência de inúmeras empresas. Contudo, conforme acima demonstrado, também não se pode indistintamente e de forma compulsória impor a empresas e empregados que desempenham atividades essenciais o regime telepresencial, ainda mais quando isso se revele absolutamente impraticável ou até mesmo contrário ao interesse público.

Sempre é necessário buscar equilíbrio e bom senso, ainda mais diante de crise de proporções sem precedentes e com desdobramentos na saúde, segurança sanitária e economia.

A precipitação de alguns dos principais atores das relações trabalhistas em correr para impor indiscriminadamente o teletrabalho, não retira o acerto do uso legal, voluntário, equilibrado e adequado dessa modalidade de trabalho.

Como é de conhecimento notório, a experimentação do teletrabalho em diversas empresas de diferentes setores produtivos, teve repercussão positiva tanto na proteção da saúde e emprego dos trabalhadores, como na melhora de performance da produtividade e redução dos custos das operações razão pela qual possivelmente será mantida para aquelas atividades laborais que permitam seu uso.

Essa nova tendência, que alguns apontam como a antecipação de um movimento que ocorreria apenas daqui dez anos, certamente requer atenção das empresas, pois, se é verdade que em 2020 tudo foi feito de improviso e às pressas diante da velocidade avassaladora do crescimento da pandemia, o mesmo não se pode afirmar agora. Ou seja, empresas devem buscar a formalização correta dessa modalidade de trabalho e atentar para as normas aplicáveis e suas responsabilidades com, por exemplo, custeio de despesas e ergonomia.

É chega a hora de dar um passo a mais na consolidação do teletrabalho como modelo de negócio e nosso escritório está sempre disponível para ajudar nossos clientes a proceder da forma mais correta possível.

Se você tiver alguma dúvida sobre os assuntos abordados nesta publicação, entre em contato com qualquer um dos advogados listados abaixo ou com seu contato habitual do Mazzucco&Mello.

Esta comunicação, que acreditamos poder ser de interesse para nossos clientes e amigos da empresa, destina-se apenas a informações gerais. Não é uma análise completa dos assuntos apresentados e não deve ser considerada como aconselhamento jurídico. Em algumas jurisdições, isso pode ser considerado publicidade de advogados. Consulte o aviso de privacidade da empresa para obter mais detalhes.

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