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COVID-19 e os impactos nas relações de consumo do segmento de turismo

24 de março de 2020

Por Leonardo Neri Candido de Azevedo – 24/03/2020

Na primeira quinzena do mês de março de 2020, com a diminuição de receitas do setor de turismo comparado ao mesmo período do ano passado, o segmento no Brasil já apresentou perda aproximada de R$ 2,2 bilhões. O receio da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) é que o impacto seja ainda maior na perda de empregos formais, mesmo diante de novas medidas adotadas com a promulgação da Medida Provisória (MP) nº 927, no último dia 22 de março de 2020.

Após as restrições vivenciadas em nível mundial, com o fechamento de fronteiras de diversos países, a queda no fluxo de viagens poderá ainda acarretar enormes prejuízos tanto para os consumidores, quanto para as empresas de turismo.

Com uma taxa média de ocupação abaixo de 10% na segunda semana de março, sobretudo para eventos corporativos, parte dos hotéis, resorts e parques temáticos começou a encerrar suas atividades por tempo indeterminado.

As associações que representam o setor apresentaram uma proposta ao governo federal se comprometendo a arcar com 100% (cem por cento) dos salários de 10% (dez por cento) dos 380 mil funcionários, que seria o contingente necessário para manutenção dos estabelecimentos. Os 342 mil funcionários restantes não seriam demitidos, mas permaneceriam em suas residências com salário pago pelo governo. A proposta encaminhada aguarda definição pelo governo que ainda não se pronunciou sobre a questão.

O setor contempla enorme circulação não somente de pessoas, mas também de mercadorias, resultando em relevante impacto nas atividades econômicas dependentes do trânsito desses bens.

A amostra do desemprego no setor leva em consideração que, em média, para redução de 10% no volume de receitas, o nível de emprego no segmento é impactado em 2%.

Para o consumidor existe também o receio de ser obrigado a realizar quarentena dentro do hotel onde estiver hospedado em uma determinada viagem, permanecendo confinado e impedido de retornar ao seu próprio país.

No entanto, até o presente momento, apenas foi adotada a MP nº 925, no dia 18 de março de 2020, a qual não aborda diretamente os interesses das empresas de hotelaria, restringindo-se às companhias aéreas. A MP, dentre outras medidas, estabelece que:

Art. 3º O prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses, observadas as regras do serviço contratado e mantida a assistência material, nos termos da regulamentação vigente.

1º Os consumidores ficarão isentos das penalidades contratuais, por meio da aceitação de crédito para utilização no prazo de doze meses, contado da data do voo contratado.

2º O disposto neste artigo aplica-se aos contratos de transporte aéreo firmados até 31 de dezembro de 2020.

Nesse sentido, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Economia, do Turismo e da Saúde divulgaram nota em que foi ratificada a aplicabilidade da Resolução nº 400 da ANAC, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Código Civil (CC), especialmente nos casos que surgirem imbróglios a partir de um evento imprevisível que impacte todo o setor de turismo.

Tais medidas auxiliam diretamente as companhias aéreas, e de forma indireta todas outras empresas do segmento, a se resguardarem juridicamente e financeiramente na tomada de decisões imediatas, com intuito de reestabelecer a boa relação com os consumidores, por meio da resolução dos imprevistos, atenuando-se a possibilidade de uma enxurrada de reclamações administrativas ou ações judiciais perante os órgãos de proteção ao consumidor e Judiciário, respectivamente.

De toda a forma, em qualquer deliberação tomada, há necessidade de se respeitar o direito à informação do consumidor, seja pelos entes públicos ou privados.

Os inúmeros pedidos de cancelamento de voos e as manifestações do Ministério Público, Procons e do Judiciário resultaram na adoção da referida MP nº 925 pelo Executivo, o que delimitou o posicionamento das companhias aéreas, que aderiram à remarcação de voos e cancelamentos sem cobranças abusivas, bem como das empresas de hotelaria que, pelo princípio da isonomia de tratamento, também devem-se utilizar de forma análoga da MP em comento, para adequarem suas políticas de cancelamento de reservas, enquanto não sobrevier medida específica para sua atividade fim.

Os posicionamentos adotados pelas empresas de turismo deverão se ater ao bom senso no cumprimento das obrigações contratuais, a fim de proteger o consumidor e as empresas, principalmente em um cenário de pandemia que se expande diariamente em larga escala.

O direito do consumidor, como exposto acima, parte da vulnerabilidade do usuário para prover sua defesa dentro de determinado contexto de mercado.

Considerando tal princípio, em relação ao equilíbrio contratual, a orientação é pela não modificação das cláusulas, já que o objetivo é assegurar o equilíbrio econômico do contrato desde sua celebração, sem a necessidade de sua desconstituição ou invalidação, mas apenas para retificá-lo no que for essencial. Assim, mantido o contrato, são feitas as readequações necessárias ao alcance de um novo equilíbrio, com a possibilidade de alteração de reservas de hotéis, voos e pacotes turísticos sem ônus aos consumidores e as empresas de turismo.

Situações excepcionais como as aqui tratadas demonstram que consumidor e fornecedor estão igualmente expostos à doença COVID-19, e a falta de proteção jurídica de um lado poderá gerar um crescimento acelerado do número de infectados na outra ponta.

Assim, o Judiciário e os órgãos de proteção ao consumidor, vem compreendendo a necessidade de que eventuais cancelamentos e reagendamentos, sejam realizados sem abusividade ao consumidor, ao mesmo tempo em que os fornecedores também possam não ser unicamente prejudicados.

Por essa razão, além de soluções jurídicas baseadas em normas e princípios constitucionais, o que se faz necessário é a existência de uma boa relação entre as partes, motivo pelo qual recomenda-se às empresas do setor, a adoção de uma política emergencial centralizada na resolução de conflitos extrajudiciais, por meio do investimento em canais de negociação de contratos e uso de plataforma jurídica de mediação, como forma de manter a fidelização de seus clientes, minimizando o risco de um efeito devastador, pelo contingenciamento elevado diante do acúmulo de demandas na esfera judicial.

 

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Leonardo Neri

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