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Cumprimento e garantia de execuçāo trabalhista e sua contextualizaçāo diante da Covid-19

26 de maio de 2020

Por Rafael Mello, Fabiana Aparecida da Silva e Israel Carneiro Cruz26/05/2020

Diante da atual crise econômica e de saúde decorrente da COVID-19 é notório que as empresas têm apresentado grandes dificuldades de caixa e desafios em seus negócios ainda difíceis de mensurar.

Visando contribuir com soluções para o que pode ser uma pequena parte do problema, passamos a expor os meios cumprimento de sentença em ações trabalhistas ou sua extinção por autocomposição.

  • Espécies de Garantia do Juízo – Uso de fiança bancária para liberação de valores

 Como se sabe é necessário que a integralidade do débito esteja garantida, no processo trabalhista para opor embargos à execução.

Além do depósito judicial em dinheiro para garantia da execução há outros meios que podem servir ao mesmo propósito.

Os depósitos recursais eventualmente realizados ao longo da fase de conhecimento para interposição de recurso ordinário, recurso de revista e agravos para pleitear seguimento desses recursos servem de garantia do juízo, conforme evolução dos entendimentos instruções normativas do Tribunal Superior do Trabalho ao longo dos últimos 25 anos. Em outras palavras, os valores depositados para fins de interposição de recursos podem ser utilizados para garantia e pagamento de execuções.

Esse ponto é importante na medida em que não são raras as vezes em que a parte exequente e o magistrado responsável pelo caso simplesmente não consideram tais valores para fins de garantia ou abatimento no caso de pagamento ou execução forçada, o que demanda atenção redobrada pelo advogado da empresa.

Mas não é só.

Com reforma trabalhista inaugurada pela lei 13.467/2017 a legislação finalmente tornou clara a possibilidade de garantia do juízo através de apresentação de fiança bancária ou seguro garantia judicial, estabelecendo tal possibilidade no artigo 882 da CLT e com referência à ordem de preferência prevista no artigo 835 do CPC. Vejamos os dois dispositivos:

CLT

Art. 882. O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da quantia correspondente, atualizada e acrescida das despesas processuais, apresentação de seguro-garantia judicial ou nomeação de bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 835 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.

CPC

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;

III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

IV – veículos de via terrestre;

V – bens imóveis;

VI – bens móveis em geral;

VII – semoventes;

VIII – navios e aeronaves;

IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias;

X – percentual do faturamento de empresa devedora;

XI – pedras e metais preciosos;

XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;

XIII – outros direitos.

  • 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
  • 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.
  • 3º Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora.

Como se vê, a lei é bastante clara quanto à admissão também no âmbito trabalhista, da substituição da penhora em dinheiro pela fiança bancária ou seguro garantia, equiparando-se tais meios de garantia à dinheiro em espécie, fazendo-os ocupar a primeira posição na ordem de preferência.

O mesmo racional se aplica à substituição dos depósitos recursais realizados ao longo do processo, inclusive por terem, como dito acima, natureza de garantia do juízo.

Assim, em tese e nos termo do artigo 899, § 11º da CLT, seria possível a substituição desses depósitos recursais por fiança bancária ou seguro garantia, permitindo manutenção da garantia do juízo e, ao mesmo tempo, liberação de dinheiro para que a empresa tenha tais recursos em seu caixa, fator que ganha relevância sem precedentes nos atuais tempos de crise em razão da covid19.

Art. 899 – omissis

(…)

  • 11. O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.

Nada obstante, no âmbito do direito processual do trabalho sempre há movimentos que buscam limitar disposições legais, em especial sob o falso pretexto de conferir proteção ao trabalhador. Neste caso o movimento limitador partiu do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que em seu “ATO CONJUNTO Nº 1/TST.CSJT.CGJT, de 16 de outubro de 2019” limitou o alcance da lei, conforme se verifica da transcrição dos seus artigos 7º e 8º:

Art. 7º O seguro garantia judicial para execução trabalhista somente será aceito se sua apresentação ocorrer antes do depósito ou da efetivação da constrição em dinheiro, decorrente de penhora, arresto ou outra medida judicial.

Parágrafo único. Excetuando-se o depósito e a efetivação da constrição em dinheiro decorrente de penhora, arresto ou outra medida judicial, será permitida a substituição, por seguro garantia judicial, de bem penhorado até sua expropriação, desde que atendidos os requisitos deste Ato Conjunto e haja anuência do credor (§ 2º do art. 835 do CPC);

Art. 8º Após realizado o depósito recursal, não será admitido o uso de seguro garantia para sua substituição.

Em outras palavras e seguindo pelo entendimento normatizado do TST, bastaria uma penhora online bem sucedida para impedir o uso da fiança bancária ou seguro garantia, bem como depósitos recursais já realizados não poderiam ser substituídos pelas referidas garantias, ficando claro o esvaziamento dos dispositivos legais.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proferiu decisão nos autos do “procedimento de controle administrativo (PCA nº 0009820-09.2019.2.00.0000)” em que suspendeu eficácia dos artigos 7º e 8º do “ATO CONJUNTO Nº 1/TST.CSJT.CGJT” o que acabou por ser mantido na 6ª Sessão Virtual Extraordinária do CNJ realizada no dia 27 de março de 2020.

Em síntese, o CNJ sinalizou claramente que a normativa do TST viola princípio da legalidade (art. 37 da CF/88) e da independência funcional da magistratura (art. 2º da CF/88 e art. 40 da lei orgânica da magistratura).

Na prática, a decisão do CNJ revigora os efeitos da própria lei e permite às empresas que realizem a garantia do juízo através de fiança bancária ou seguro garantia, bem como substituam com tais métodos os valores constantes nos autos (depósito judicial, depósito recursal ou por penhora online).

Além de garantias de juízo tradicionais como o depósito judicial em dinheiro, o próprio depósito recursal que também é feito em espécie, e outros meios secundários de garantia conforme incisos II a XII do art. 835 do CPC, as empresas podem tamb´m se valer da fiança bancária e seguro garantia, inclusive para levantar valores depositados nos autos, preservando seu caixa e simultaneamente conferindo garantia firme de que o exequente terá seu crédito honrado após o devido processo legal.

  • Pedidos de parcelamento – Aplicação do art. 916 do CPC

Para processos em fase de cumprimento provisório ou definitivo de sentença a empresa executada pode se utilizar do pedido de parcelamento da execução nos termos do artigo 916, do Código de Processo Civil (CPC), o qual prevê o pagamento inicial de 30% da execução e parcelamento do saldo remanescente em 6 parcelas atualizadas mensalmente.

Ao fazer a opção por esse meio de pagamento, a empresa abdica do direito de embargar a execução.

Tal forma de pagamento é aconselhável quando os potenciais pontos de defesa em execução são frágeis, a possibilidade de acordo é remota e o fluxo se mostre interessante à empresa.

Vale ressaltar que, em tese, a parte executada poderá se opor ao referido parcelamento, todavia no atual momento de crise a opção pelo pagamento na forma do artigo 916 do CPC tem se mostrada amplamente aceita pelos magistrados e pelos reclamantes.

  • Formalização de Acordos

A formulação de uma estratégia de acordo sempre pode resultar em bons resultados, em especial quando se faz um trabalho de identificação realista de contingências e economia a partir de parâmetros aplicáveis a cada portfólio de casos (valor histórico de acordos, valor histórico de condenações, valor fixado em sentença, probabilidade de reversão ou redução de uma condenação etc).

Para empresas que trabalham com carteiras volumosas de processos trabalhista, uma estratégia customizada de realização de acordos pode resultar em diminuição significativa de contingências contábeis e liberação do saldo remanescente para permitir investimentos estratégicos, preservação de caixa, melhora do valuation da companhia e distribuição de dividendos aos sócios.

O momento atual é delicado para todos, tanto empresas quanto trabalhadores, o que reforça a necessidade de se realizar um trabalho sério e ético na formulação de uma campanha para acordos, de forma a dirimir litígios, proporcionar pagamentos aos trabalhadores e concomitantemente preservar as empresas dos riscos e ônus do prosseguimento indefinido de determinadas demandas trabalhistas ou o crescimento descontrolados de carteiras trabalhistas.

Nesse período de isolamento e distanciamento social é fato que as atividades físicas nos fóruns se encontram parcialmente prejudicadas. Todavia, alternativas já existem para implementar um plano de formalização de acordos: (i) acordo por peticionamento eletrônico e (ii) audiências telepresenciais que vem sendo regulamentadas pelos Tribunais Regionais do Trabalho.

  • Repactuação de Acordos

Considerando o atual cenário imposto pela pandemia resulta indiscutivelmente em situação de força maior e evento dotado de imprevisibilidade, bem como tendo em vista a impossibilidade de muitas empresas de exercerem suas atividades econômicas, do que decorre crise financeira e cenário de absoluta incerteza, empresas, trabalhadores e o Poder Judiciário vem buscando soluções alternativas para repactuação de acordos já homologados em benefício da garantia do seu cu cumprimento. Com a repactuação possível é o aumento do número parcelas do acordo, suspensão provisória, entre outros meios.

Referida repactuação pode ter fundamento nos artigos 393 e 478 ambos do Código Civil e aplicáveis ao direito do trabalho por força do artigo 8º, § 1º da CLT.

A primeira possibilidade é a busca da repactuação do acordo com o próprio advogado da parte contrária.

Frustrada a tentativa com o advogado da parte contrária a empresa poderá peticionar ao juiz responsável pela ação requerendo a repactuação do acordo em nova forma de pagamento.

Vale ressaltar que, em tese e a depender do caso concreto, da verificação de existência de boa-fé e justo motivo para invocar causa de força maior para revisão do negócio jurídico formalizado via acordo, poderá o juiz deferir uma revisão das condições de cumprimento do acordo, mesmo com a discordância do empregado.

Apesar de não ter previsão legal, também há, em tese, possibilidade da suspensão no pagamento das parcelas vincendas do acordo, comprovando a insuficiência financeira ocasionada pelos efeitos da COVID-19, nos mesmos fundamentos dos artigos 393 e 478 do CC.

Mesmo sem previsão legal em um caso concreto e inédito o juiz Renato Barros Fagundes, da 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, suspendeu o pagamento de parte de um acordo trabalhista enquanto perdurar o estado de calamidade pública, segundo entendimento do magistrado a justiça deve levar em consideração a razoabilidade em situações excepcionais.

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