THE Portaria MTE nº 1.419, de agosto de 2024, que atualiza a Norma Regulamentadora N°1 (NR-1), representa um marco para a gestão de recursos humanos e a advocacia trabalhista. Com vigência a partir de 26 de maio de 2026, esta alteração transcende a mera exigência legal, posicionando-se como um reflexo contundente da realidade social contemporânea e como uma oportunidade estratégica para as organizações que buscam alinhar suas práticas aos princípios ESG (Ambiental, Social e Governança).
Em um contexto em que a saúde mental se tornou um dos maiores desafios do século XXI, a nova NR-1 convida as empresas a redefinirem seu papel, transformando a conformidade em um diferencial competitivo e um pilar de sustentabilidade.
A nova NR-1, ao voltar seu olhar para o adoecimento mental no ambiente de trabalho, amplia as oportunidades para as organizações. Nesse sentido, favorece aquelas que desejam ir além do compliance, integrando saúde e segurança do trabalho à sua estratégia ESG.
Confira, a seguir, quatro oportunidades estratégicas relacionadas ao ESG:
1. Reputação e atração de talentos (Pilar Social – S do ESG)
A sociedade enfrenta, inegavelmente, um estado de profunda fragilidade mental, e o ambiente de trabalho emerge como um dos principais catalisadores desse cenário. A nova NR-1 atua como uma resposta direta do Estado a essa realidade, exigindo que o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) vá além dos tradicionais riscos físicos, químicos e biológicos.
A inclusão dos Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho (FRPRT) torna obrigatória a identificação e mitigação de elementos como a sobrecarga de trabalho, a pressão excessiva e os ambientes organizacionais tóxicos.
Para os gestores jurídicos e de RH, isso significa que a gestão de riscos deixou de ser uma questão puramente técnica e se tornou uma responsabilidade que exige uma análise aprofundada da cultura e das dinâmicas internas da empresa. Empresas que priorizam a saúde mental são vistas como empregadores de escolha, atraindo e retendo talentos e fortalecendo sua marca empregadora.
2. Produtividade e redução do absenteísmo (Pilar Social – S do ESG)
A gestão dos riscos psicossociais, agora em destaque na NR-1, transcende o bem-estar e se firma como um pilar para a performance financeira e operacional da empresa.
Transtornos como depressão e ansiedade, frequentemente ligados ao ambiente de trabalho, estão entre as principais causas de afastamento e queda de rendimento. Estes eventos geram custos diretos, como o pagamento de horas extras e a contratação de substitutos, e custos indiretos ainda mais danosos, como a perda de conhecimento técnico e a sobrecarga das equipes remanescentes.
Um ambiente de trabalho psicologicamente seguro impacta diretamente o engajamento e a eficiência. Equipes saudáveis são comprovadamente mais produtivas, inovadoras e focadas. A conformidade com a NR-1 atua, portanto, na causa raiz do absenteísmo e do presenteísmo — condição em que o colaborador está fisicamente presente, mas mentalmente ausente e improdutivo.
Escuta ativa como base para gestão de riscos ESG
Para que essa gestão seja eficaz, a norma estabelece a necessidade de implementar mecanismos para a consulta dos trabalhadores quanto à sua percepção dos riscos ocupacionais. Por serem frequentemente invisíveis à gestão, fatores de risco psicossocial só podem ser corretamente identificados com o envolvimento formal de quem os vivencia. Esse processo inclui:
- Mapeamento de sobrecarga de trabalho e pressão por metas.
- Avaliação do clima organizacional por meio de ferramentas estruturadas.
- Análise de processos de comunicação e liderança que possam gerar estresse.
Ao obter um diagnóstico preciso desses fatores, a organização pode implementar ações preventivas e eficazes. Para investidores e o mercado, indicadores como baixas taxas de absenteísmo e de rotatividade (turnover) são KPIs (Key Performance Indicators) claros do pilar Social (S) do ESG, demonstrando uma gestão de capital humano sustentável que se traduz diretamente em melhores resultados.
3. Redução de processos trabalhistas (Pilar Governança – G do ESG)
A principal consequência da gestão de riscos psicossociais exigida pela NR-1 é o fortalecimento da segurança jurídica da organização. Ações judiciais pleiteando o reconhecimento de doenças ocupacionais de cunho mental, especialmente a Síndrome de Burnout, tornaram-se um dos maiores focos de passivo trabalhista.
Juridicamente, o desafio central nesses processos é a comprovação do nexo de causalidade entre o ambiente de trabalho e a patologia. A Síndrome de Burnout, classificada pela OMS como um “fenômeno ocupacional” e não uma doença em si, exige do reclamante a difícil tarefa de provar que o estresse crônico laboral foi o fator determinante para o seu quadro.
É nesse ponto que a NR-1 se torna uma ferramenta estratégica de governança. A norma exige que a empresa saia de uma postura reativa para uma gestão proativa e documentada dos riscos psicossociais. O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) passa a ser a prova pré-constituída do dever de cuidado do empregador.
Ao documentar a identificação de perigos (ex: sobrecarga de trabalho, metas agressivas, assédio moral), a avaliação desses riscos e, crucialmente, os planos de ação para mitigá-los, a empresa constrói uma defesa robusta.
Em um eventual litígio, um PGR bem implementado demonstra que a organização agiu diligentemente para proteger a saúde mental de seus colaboradores. Isso reduz a probabilidade de surgimento de novas ações. Outrossim, fortalece substancialmente a tese de defesa da empresa, alinhando-se às melhores práticas de governança corporativa.
4. Valorização no mercado (Pilar Governança – G e Social – S do ESG)
A adequação à NR-1 é um dos caminhos mais claros para materializar a estratégia ESG e, consequentemente, aumentar a valorização da empresa no mercado. Indicadores antes restritos ao RH, como taxas de absenteísmo, rotatividade (turnover) e resultados de pesquisas de clima, agora são analisados criteriosamente por investidores, agências de rating ESG e fundos de investimento para avaliar a qualidade da gestão de capital humano de uma organização.
Uma governança que demonstra cuidado ativo com a saúde mental de seus colaboradores é percebida como uma gestão de risco mais sofisticada e sustentável.
Nesse contexto, a atenção da norma à cadeia de valor se torna crucial. A exigência de garantir um ambiente seguro também para trabalhadores terceirizados demonstra que a responsabilidade da empresa não se limita aos seus muros. Para o mercado, uma diligência que se estende aos fornecedores e parceiros é sinal de maturidade em governança e de um compromisso ético robusto, mitigando riscos em toda a sua operação. Em um cenário corporativo onde o capital humano é o principal ativo, a gestão da saúde mental deixa de ser uma obrigação para se tornar um motor de valor e um diferencial estratégico.
Ao identificar e gerenciar riscos psicossociais, adaptar processos de RH e implementar canais de denúncia seguros, as organizações cumprem a legislação vigente. Além disso, alinham-se às crescentes expectativas dos mercados e investidores quanto às práticas ESG. Nesse contexto, a atenção à saúde mental dos colaboradores torna-se um componente essencial das dimensões Social (S) e de Governança (G). Consequentemente, contribui para a valorização da empresa no mercado e junto aos investidores, que buscam organizações comprometidas com sustentabilidade e bem-estar dos stakeholders.
NR-1 como alavanca estratégica para o ESG
O prazo para a plena adequação à NR-1, em 26 de maio de 2026, aproxima-se rapidamente. Em vez de ser visto como uma ameaça de sanções, deve ser compreendido como um catalisador para a evolução estratégica. Afinal, a norma vai além da simples conformidade legal. Ela também oferece um roteiro claro para o fortalecimento dos pilares Social e de Governança (ESG).
A gestão de riscos psicossociais, formalizada e documentada por meio do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), converte-se em um ativo multifacetado. Em primeiro lugar, funciona como uma ferramenta de produtividade que combate o absenteísmo. Além disso, representa uma prova pré-constituída que robustece a defesa jurídica em litígios trabalhistas. Por fim, atua como um sinalizador de governança madura, capaz de atrair investidores e talentos.
Chegou o momento de agir, não por coação ou medo de multas, mas pela convicção de que o capital humano é o principal motor de qualquer negócio. Em um cenário corporativo onde a sustentabilidade e a reputação são moedas valiosas, a NR-1 não é apenas uma norma a ser cumprida; é um manual para construir empresas mais resilientes, humanas e, em última análise, mais valiosas.