Por Leonardo Neri
Sabe-se que o mercado esportivo é um dos mais amplos, muito em virtude da capacidade de impacto de seus produtos mundo a fora, especialmente o futebol.
Nesse sentido, quanto maior o número de cidadãos engajados no consumo de determinado produto, maior a exposição de informações pessoais envolvidas na referida cadeia mercadológica. E é nesse fluxo de trânsito de dados que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) atua.
Além disso, o produto mais atrativo do segmento esportivo para os consumidores em geral, tem sido as apostas esportivas, que foram aprovadas no país com a Lei nº 13.756/2018, no entanto a legislação ainda carece de regulamentação.
Por se tratar de um tema de muita relevância com repercussões recentes no cenário nacional, o escritório Mazzucco e Mello – Sociedade de Advogados resolveu iniciar uma série de artigos para abordar os principais pontos relacionados ao uso de dados nas apostas esportivas, com os direitos já regulamentados pela LGPD, bem como em relação às lacunas de atuação existentes pela ausência de regulamentação da Lei de Apostas Esportivas.
Como objeto do primeiro artigo da série, abordaremos alguns detalhes de como a LGPD impacta o dia a dia do mercado de apostas esportivas.
Para compreender melhor a conjunção dos interesses das legislações sobre um mesmo tema – LGPD e Lei das Apostas Esportivas – importante se faz esclarecer que o produto das apostas impacta a análise de dados de toda área de performance de uma modalidade esportiva.
Utilizaremos o exemplo do futebol para melhor ilustração. As atuais plataformas digitais utilizam dados estatísticos dos jogadores, além de informações de desempenho e históricos das equipes, para calcular probabilidades de eventos, como a possibilidade de um jogador X marcar um gol em uma partida no final de semana. No entanto, esse cenário levanta preocupações devido às leis de proteção de dados em vigor em vários países, como a GDPR na Europa e a LGPD no Brasil. Isso ocorre porque os jogadores, como titulares desses dados estatísticos de desempenho, muitas vezes não são consultados ou dão seu consentimento para o uso desses dados pelas plataformas digitais de apostas esportivas.
Antes de abordar a questão legal, é importante destacar que neste artigo nos concentraremos na análise com base na LGPD, devido às questões de territorialidade. Portanto, ao mencionar a falta de consentimento dos atletas para o tratamento de seus dados estatísticos, surge a suspeita de que possa haver alguma irregularidade nesse fluxo de tratamento de dados, já que os titulares não foram consultados sobre o uso de seus dados pelas plataformas de apostas esportivas.
No entanto, devemos lembrar que a LGPD estabelece outras bases legais para o tratamento de dados, além do consentimento, como o legítimo interesse no tratamento desses dados. É precisamente o legítimo interesse, combinado com o caráter manifestamente público dos dados estatísticos produzidos pelos atletas durante uma partida, que proporciona a legalidade necessária para o tratamento desses dados, conforme analisado no inciso IX do artigo 7º e no parágrafo 4º da mesma lei.
O inciso IX do artigo 7º mencionado estabelece o legítimo interesse do controlador como uma das bases legais viáveis para o tratamento de dados, o que se aplica perfeitamente aos casos discutidos aqui. Além disso, o parágrafo 4º do mesmo artigo estabelece que, quando os dados são manifestamente tornados públicos pelos próprios titulares, ou seja, pelos atletas, o consentimento para o tratamento dos dados não é necessário.
Podemos observar que os atletas, ao participarem de eventos públicos, como partidas oficiais de futebol, naturalmente estão sujeitos a análises de desempenho com base em suas ações durante o jogo. Portanto, é impossível argumentar que os dados decorrentes do desempenho dos atletas nesses jogos, quando podem ser coletados simplesmente por observação, não sejam considerados manifestamente públicos.
A Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ainda não se pronunciou claramente sobre os detalhes da definição de dados tornados “manifestamente públicos pelos titulares”. No entanto, é difícil imaginar um cenário em que esses dados de desempenho dos atletas sejam interpretados de maneira diferente daquela apresentada neste artigo.
Além disso, é fundamental perceber que, ao falarmos sobre a utilização dos dados dos atletas por essas plataformas digitais, todos os dados são derivados das ações realizadas pelos atletas durante esses eventos notoriamente públicos, como chutes, passes, gols, faltas sofridas e cometidas, entre outros.
Em outras palavras, os dados estatísticos usados pelas plataformas não dependem de nenhuma forma tecnológica para serem coletados. Não é necessário que os atletas utilizem chips ou qualquer outro dispositivo tecnológico. Basta que alguém observe e faça anotações sobre o jogo, o que evidencia o caráter manifestamente público desses dados estatísticos. Isso comprova a legalidade do tratamento desses dados, mesmo na ausência do consentimento dos titulares (os atletas).
O crescimento do mercado de plataformas digitais relacionadas ao esporte no Brasil já é evidente para todos, e é essencial promover um debate público, com a participação de órgãos reguladores, como a ANPD, para garantir o desenvolvimento saudável e eficaz desse mercado.