Atualmente na legislação pátria há dois institutos, um mais velho e um mais recente, cuja eficácia é aparente, mas que são pouco utilizados.
Estamos falando da “Insolvência Civil” e da “Lei do Superendividamento”. A semelhança entre ambos é que se aplicam a pessoas físicas, e a diferença é que um (insolvência civil) é utilizado na ampla maioria dos casos para recuperação de crédito e o outro (superendividamento) para reestruturação de dívidas.
A insolvência civil ocorre quando as dívidas de uma pessoa excedem à importância dos seus bens (art. 955 do Código Civil), e ela está prevista no art. 748 ao art. 786-A do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que o novo Código manteve suas disposições inalteradas (art. 1.052, do Código de Processo Civil).
Esse instituto, como dito, é uma alternativa altamente eficaz para inadimplência, uma vez que as consequências para pessoa declarada insolvente são penosas, pois a decretação da insolvência equivale a uma interdição da pessoa física, cujo patrimônio ficará sob a guarda e gestão de um administrador nomeado pelo Juiz competente, e será utilizado para pagar todos os credores cujos créditos serão reunidos no mesmo processo para serem quitados com os ativos que forem arrecadados, até o cumprimento de todas as obrigações do devedor.
Além disso, o Código de Processo Civil estabelece um período de 05 anos antes de ser declaradas extintas todas as obrigações da pessoa endividada. Ou seja, a pessoa que for declarada insolvente pode permanecer por 05 (cinco) anos impedida de gerir o próprio patrimônio, por exemplo.
A legislação prevê um procedimento específico para declaração da insolvência, o qual pode ser iniciado por um credor ou pelo próprio devedor, e funciona de forma semelhante a um processo de falência.
Todavia, em que pese a insolvência possa ser requerida pelo próprio devedor, caso este esteja planejando repactuar suas dívidas sem sofrer consequências mais penosas, uma alternativa é a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/21), que introduziu no Código de Defesa do Consumidor um procedimento semelhante a uma recuperação judicial (art. 54-A a 54-G e art. 104-A ao art. 104-C).
Essa lei tem como principal premissa a proteção do consumidor superendividado, garantindo uma proteção prévia, na medida em que define, por exemplo, limites para que as instituições financeiras concedam empréstimos, evitando-se um excesso de endividamento, bem como uma alternativa para o consumidor já afetado, por meio de um procedimento em que ele poderá reunir determinados credores a fim de repactuar suas dívidas.
Este processo é mais acessível e simples do que o processo de recuperação judicial, não exige a figura de um administrador judicial, sendo que o próprio devedor apresenta aos credores um plano para pagamento, o qual também deve observar algumas regras, como prazo máximo de 05 anos para pagamento e desde que não comprometa demais sua renda, garantindo-lhe o mínimo existencial.
Em contrapartida, a lei exclui desta ferramenta dívidas relacionadas a impostos, pois não são oriundas de relação de consumo, dívidas contraídas dolosamente, sem propósito de realizar o pagamento, e dívidas provenientes de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.
Caso o passivo do devedor seja composto por grande parte de débitos excluídos do procedimento previsto no Código de Defesa do Consumidor, a insolvência civil aparece como alternativa na medida em que não possui limitações neste sentido.
Importante observar que a lei do superendividamente não alterou ou extinguiu a insolvência civil, apesar do que prevê o art. 1.052, pois são institutos com premissas e regras distintas, e o próprio Código de Defesa do Consumidor estabelece a distinção (parágrafo 5º do art. 104-A).
A insolvência civil, por ser instituto mais antigo, já foi amplamente debatida e possui poucas controvérsias a respeito. O superendividamento e suas regras certamente serão objeto de discussão no âmbito jurídico, como o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a competência dos Tribunais Estaduais para analisar os processos relacionados ao referido instituto (Conflito de Competência nº 192.140 – DF).
Nada obstante, ambos os institutos podem ser utilizados como ferramenta úteis e eficazes, sendo certo, porém, que a insolvência civil é utilizada como veículo mais eficaz para recuperação de crédito, enquanto o superendividamento para proteção do consumidor e recuperação de sua vida civil.
Para tanto é importante sempre ser orientado e assessorado por profissionais altamente capacitados e constantemente atualizados, como a equipe do escritório Mazzucco&Mello, que está preparada para atender as mais diversas demandas relacionadas aos temas em questão.