Por: Antonio Mazzucco e Luiz Gustavo Doles
LEI 14.478 – REGULAMENTAÇÃO DOS PRESTADORES DE SERVIÇOS ENVOLVENDO ATIVOS VIRTUAIS
É necessário esclarecer alguns fatos antes de analisarmos como esta lei afeta o mercado brasileiro de criptoativos:
- A Lei 14.478 não regulamenta como os ativos virtuais em si devem funcionar (este papel cabe ao software que os criou), mas como os prestadores de serviços devem lidar com eles.
- A lei não regulamentou todos os aspectos relacionados ao uso de criptoativos tendo delegado parte de tais atividades a agências reguladoras
- Criou-se burocracia para a prestação de serviços envolvendo criptoativos, mas ainda há a necessidade de se seguir outras normas criadas por outros entes governamentais
- Criaram-se diretrizes para a prestação de serviços envolvendo criptoativos no artigo 4, sendo que a grande maioria delas já estavam previstas em outros instrumentos legais. A livre inciativa e a livre concorrência, por exemplo, já são constitucionalmente asseguradas no artigo 160, a prevenção à lavagem de dinheiro já faz parte da lei 9613, não havendo inovações sob o ponto de vista de princípios
- A lei não indica muitas regras em si, mas estabelece o campo de atuação das agências reguladoras que efetivamente regulamentarão o uso destes ativos
Dito isso, é importante analisar os principais pontos da nova legislação para que o mercado possa se preparar para as mudanças que devem fazer arte do seu planejamento nos próximos meses.
Inicialmente, cabe destacar que as prestadoras de serviços de ativos virtuais somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização de órgão ou entidade da Administração Pública federal. A lei não indica qual órgão será responsável pelo registro pois o uso de criptoativos pode ser enquadrado no campo de atuação de diversas agências reguladoras, incluindo BCB e CVM. Logo, cada entidade criará suas próprias regras relacionadas ao processo de autorização.
A lei indica um conceito amplo para os ativos virtuais, conforme se pode observar no seu artigo 3º[1] vez que estes são definidos por exclusão. Não são moeda eletrônica (posicionamento já esclarecido pelo BCB[2]), não são moeda tradicional, não são moeda escritural e não são valores mobiliários.
Tal decisão legislativa busca esclarecer que a lei já regulamentou estes instrumentos e a maneira como estes são utilizados ou apresentados não importa vez que o seu conteúdo permanece o mesmo não importando o tipo de tecnologia por trás do ativo. Por exemplo, não há distinção entre uma debênture tokenizada e uma debênture escriturada de maneira tradicional, ambas são debêntures e devem seguir as normas relacionadas a este instrumento.
Assim, a lei lida com criptoativos que ainda não foram regulamentados, um conceito bastante amplo que será devidamente definido pelas agências reguladoras.
O conceito de prestador de serviços de ativos virtuais segue uma lógica diferente vez que as atividades são muito bem definidas (o que provavelmente gerará uma atualização na tabela do CNAE para adequação a tais atividades): aquelas que lidam com troca, custódia, intermediação, venda de ativos virtuais além daqueles que participem de serviços financeiros envolvendo estes ativos são prestadores de serviços alcançados pela lei.
Como se pode observar, a lei 14.478 não estabelece muitas regras em si, mas esclarece que as agências reguladoras serão as grandes responsáveis para lidar com ativos virtuais, uma decisão acertada dado que se trata de assunto que exige técnica apurada e conhecimento muito específico, características que geralmente não são associadas ao poder legislativo.
Um grande reflexo desta linha de pensamento pode ser encontrado no artigo 7 da lei dos criptoativos: lá podemos encontrar a futura agenda regulatória do Banco Central, CVM e outras agências afetadas.
Isto pois estas terão os seguintes poderes e responsabilidades:
I – autorizar funcionamento, transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da prestadora de serviços de ativos virtuais;
II – estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em prestadora de serviços de ativos virtuais e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração;
III – supervisionar a prestadora de serviços de ativos virtuais e aplicar as disposições da Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017, em caso de descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação;
IV – cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações de que tratam os itens I e II
V – dispor sobre as hipóteses em que as atividades ou operações de que trata o art. 5º da Lei 14.478 serão incluídas no mercado de câmbio ou em que deverão submeter-se à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País.
O único esclarecimento específico trazido pela lei é a expressa autorização para que as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil possam prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais ou cumulá-lo com outras atividades, aumentando o leque de produtos e serviços que podem ser trazidos pelos bancos e demais instituições financeiras.
Todas as regulamentações devem ser editadas nos próximos seis meses, o que indica uma intensa agenda regulatória a ser cumprida em 2023.
Por fim, diversos tipos penais foram atualizados para aumentar a penalização de pessoas que usam criptoativos para fins escusos: criou-se o crime de Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros no artigo 171-A do Código Penal, a lei de prevenção à lavagem de dinheiro agora contém disposições específicas a respeito de criptoativos e diversas outras disposições agora contemplam ativos virtuais.
O escritório Mazzucco e Mello Advogados encontra-se à disposição para auxiliar empresas e pessoas interessadas no uso de criptoativos, contando com equipe especializada no assunto.
[1] Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos:
I – moeda nacional e moedas estrangeiras;
II – moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;
III – instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e
IV – representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.
[2] COMUNICADO N° 31.379, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2017 do BCB