Por Rafael Mello e Israel Cruz
No dia 22/03/2020, foi editada pelo governo Brasileiro a Medida Provisória 927 (MP 927/2020), que “dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências”.
Esse artigo informativo já contempla a declaração dada pelo Presidente da República Sr. Jair Bolsonaro por volta de 14h00 do dia 23/03/2020 em que anunciou a revogação do artigo 18 da MP 927/2020 e, portanto, excluiu a possibilidade de layoff por 4 meses do pacote de medidas trabalhista de enfrentamento do covid-19.
A medida trata de conferir parâmetros excepcionais e temporários acerca dos seguintes temas: (i) teletrabalho, home office e congêneres, (ii) antecipação de férias individuais, (iii) concessão de férias coletivas, (iv) aproveitamento e antecipação de feriados, (v) banco de horas em favor empregado e da empresa, (vi) suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, (vii) jornada 12×36 nos estabelecimentos de saúde mediante acordo individual, (viii) definição de covid-19 não é doença laboral, (ix) prorrogação de acordos e convenções coletivas, (x) convalidação das medidas já tomadas pelos empregadores, (xi) diferimento do recolhimento do FGTS pelo empregador.
Importante destacar que as medidas a seguir comentadas aplicam-se excepcionalmente no período de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020, tendo sido tal fato declarado pela MP 927/2020 como “força maior” para fins trabalhistas.
Outro aspecto importante, e polêmico, é que empregadores e empregados poderão firmar acordos individuais, com preponderância sobre demais normas (instrumentos coletivos, legais e normativos) com o objetivo expresso de “garantir a permanência do emprego”.
Vamos aos temas expressamente tratados na MP 927/2020.
- Teletrabalho
Foi estipulada a possibilidade de o empregador determinar o trabalho em regime de teletrabalho, trabalho a distância ou qualquer modalidade de trabalho remoto a seu exclusivo critério e sem necessidade de acordo individual ou coletivo, tampouco de registro prévio de tal alteração no contrato de trabalho.
Também restou expressamente previsto que o trabalho em tais regime configura trabalho externo, conforme exceção do artigo 62 da CLT, afastando controle de jornada e, por conseguinte, computo de horas extras.
- Férias individuais e coletivas
Permissão para concessão de férias com período de prévio aviso de 48 horas, bem como a possibilidade de adiantamento de férias, mesmo que o período concessivo não tenha transcorrido. Ou seja, mesmo períodos futuros de férias poderão ser integralmente antecipados.
Também ficou estabelecida, quando da concessão de férias individuais durante o período de calamidade pública, facultar ao empregador o pagamento do adicional de um terço sobre férias até o prazo legal para pagamento do 13º salário.
O prazo para o pagamento de férias também foi alterado para possibilitar o pagamento até o quinto dia útil após o início das férias.
Com relação às férias coletivas, os empregados deverão ser avisados com antecedência mínima de 48 horas sendo dispensada a notificação dos sindicatos ou do Ministério da Economia e respectiva Secretaria do Trabalho.
- Antecipação de feriados
Restou permitida a antecipação dos feriados não religiosos federais, estaduais e municipais para gozo imediato, o que deverá ser comunicado ao empregado com a antecedência mínima de 48 horas mediante a indicação expressa dos feriados a serem aproveitados.
Eventual aproveitamento de feriados religiosos dependerá de acordo individual escrito entre empresa e empregado para validade. Uma vez aceito segue os mesmos parâmetros dos demais feriados indicados acima.
- Banco de Horas e Banco de Horas “Negativo”
A MP 927/2020 também autorizou a instituição de regime especial de banco de horas, independente de acordo individual ou coletivo.
O referido banco de horas em regime especial terá validade no período de calamidade pública e a compensação deve ocorrer em até 18 meses após o término do estado de calamidade pública.
Importante notar que a regra, além do banco de horas tradicional que computa as horas adicionais à jornada para posterior compensação em folgas futuras, visa principalmente regrar a interrupção pelo empregador das suas atividades e, assim, contabilizar as horas não trabalhadas para compensar no futuro – após passada essa crise – horas extras trabalhadas. Seria, em uma denominação informal, espécie de “banco de horas negativo”.
- Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
Foram desobrigados, no período da manutenção da calamidade, a realização de exames médicos (admissional, demissional e periódico), treinamentos. As CIPAS poderão ser mantidas até o final da calamidade e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.
- Jornada 12×36 nos estabelecimentos de saúde mediante acordo individual
Restou fixada a possibilidade de ajuste da jornada 12×36 nos estabelecimentos médicos mediante acordo individual escrito mesmo nos casos de atividades insalubres.
- COVID-19 não será caracterizada como doença ou acidente do trabalho
A MP 927/2020 também estabeleceu que os casos de contaminação por COVID-19 não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
- Prorrogação de acordos e convenções coletivas
A critério do empregador poderão ser prorrogados os acordos ou convenções coletivas vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo.
- Convalidação das medidas já tomadas pelos empregadores
Restaram convalidadas todas a medidas visando enfrentamento da crise pelo COVID-19 praticadas pelos empregadores nos últimos 30 dias, desde que não contrariem as previsões trazida na MP 927/2020.
- Diferimento do FGTS
A MP 927/2020 estabeleceu a suspensão de exigibilidade de recolhimento do FGTS pelos empregadores para as competências de março, abril e maio de 2020 com vencimento, respectivamente, em abril, maio e junho de 2020. Em outras palavras, nos próximos 3 meses os empregadores poderão deixar de recolher o FGTS.
Essa regra se aplica a empregadores independentemente do número de empregados, regime de tributação, natureza jurídica, ramo de atividade ou adesão prévia.
Algumas obrigações acessórias são relevantes para usufruir dessa benesse. Por exemplo, as empresas deverão declarar e reconhecer tais valores como devidos, presumindo-se que a MP 927/2020 traz aqui obrigação de declaração de informações no e-Social.
Para os valores devidamente declarados, as empresas poderão pagar o FGTS diferido a partir de julho de 2020 em 6 parcelas mensais, sem adição de juros, correção, encargos ou multas.
No caso de demissão do empregado antes do término do parcelamento os valores diferidos se vencerão na data da rescisão, porém sem acréscimo de juros ou multas.
IMPORTANTE: As empresas que não pagarem o FGTS e deixarem de declarar corretamente esses valores serão consideradas inadimplentes, não usufruirão do parcelamento mencionado acima e arcarão com multas, juros, correção e encargos.
A MP 927/2020 ainda será objeto de muitos debates políticos e jurídicos. Há quem já esteja questionando, mesmo com poucas horas de sua publicação, a constitucionalidade da MP 927/2020, em especial por afastar a negociação coletiva para adoção de medidas restritivas de direitos.
Entendemos que a MP 927/2020 traz medidas excepcionais e que devem ser praticadas sempre com o objetivo de manutenção dos empregos. O uso das medidas em contexto diferente deste, ainda que no período de calamidade, certamente irá gerar desdobramentos judiciais futuros com consequências ainda incertas.
Por isso, a recomendação é que a implementação de quaisquer das medidas previstas na MP 927/2020 seja juridicamente avaliada antes de sua adoção. Mazzucco & Mello Advogados está atento à evolução do tema, inclusive declarações e ajustes feitos após a publicação da MP 927/2020, bem como pronto para dar suporte aos seus clientes visando adotar medidas de forma ponderada e mitigar riscos decorrentes do cenário atual, que ainda é de incerteza e insegurança jurídica.