Por: Vitor Ferrari e Ivan Kubala
Ao ter sua recuperação judicial deferida pelo Juízo competente, a Empresa Recuperanda deve apresentar seu Plano de Recuperação Judicial aos credores habilitados no processo. Neste documento estarão contidos os meios e as táticas a serem utilizadas pela devedora para que os créditos sejam pagos dentro do processo, que podem ser desde a venda de propriedades pertencentes à empresa ou até mesmo destinar parte de seu faturamento mensal ao pagamento dos créditos. As possibilidades que a recuperanda possui para quitar os débitos são tão amplas que contemplam, inclusive, o perdão das dívidas por parte dos credores, seja em parte ou em sua totalidade: o chamado Haircut.
Embora extremamente convidativo à primeira vista para a recuperanda, uma vez que suas dívidas simplesmente seriam extintas, há de se ressaltar que a simples proposição do Haircut não garante sua homologação. Para que seja deferida a redução da dívida por tal mecanismo é mister que certa parcela dos credores homologados no processo concorde com o plano e que o Juízo responsável o defira.
Destarte, a primeira pergunta que geralmente é feita após tal informação é “por que os credores aceitariam uma redução no valor de seus créditos?”. Bem, primeiramente é essencial explicar que não há um motivo único para tal, tendo em vista a complexidade de uma recuperação judicial em virtude da multiplicidade de créditos arrolados, possibilitando que haja a incidência de diversas razões que levam a aceitação do Haircut.
Dentre os motivos mais comuns para a aceitação de Haircut é o esgotamento cadastral da recuperanda: ocorre quando o fluxo de caixa líquido da empresa em certo período, somado aos seus ativos que podem ser alienados, perfaz quantia inferior ao total da dívida. Ou seja, o valor que a empresa pode destinar aos pagamentos dos créditos é insuficiente para quitá-los.
Outro motivo que leva ao haircut é o excesso de crédito. Quando a empresa devedora entende que os créditos contidos na recuperação judicial são superiores ao montante efetivamente devido, há possibilidade de aplicação do instituto. O exemplo mais comum de abusividade do valor cobrado decorre da abusividade nos juros praticados pelos credores e que compõem o crédito sujeito à recuperação. O excesso pode restar objetivamente nos valores dos juros cobrados, geralmente nos casos de bancos e fornecedores; nos custos incidentes nas reciprocidades exigidas, ou mesmo na prática de não conceder ao devedor o mesmo desconto dado aos demais concorrentes
A possível falência da recuperanda também é um fator que leva os credores e os magistrados a aceitarem planos de recuperação judicial com Haircut. A iminência de uma falência faz com que o credor prefira receber os valores o mais rápido possível, ainda que o montante esteja aquém do homologado no plano, uma vez que, decretada a falência, além do processo se estender por mais alguns anos, muito provavelmente o credor não receberá o valor total.
Fatores externos á recuperação judicial também influenciam na aceitação de um haircut, sobretudo o chamado “custo de oportunidade”. É possível que no momento da aceitação do plano de recuperação judicial haja bons investimentos que possam rentabilizar o valor do crédito recebido, mesmo que haja deságio. Para isso, o credor calcula em quanto tempo o investimento escolhido levaria o valor com haircut ao valor originalmente previsto no plano, e comparacom o prazo que todo o processo de recuperação judicial demoraria caso houvesse discussão do plano apresentado. Se entender que os prazos compensam, o credor tende a aceitar o acordo com deságio objetivando recuperar o valor perdido em tempo inferior ao do trâmite do processo.
É importante informar que, independente da razão pela qual o credor aceitou o plano de recuperação judicial com haircut, haverá incidência de benefícios fiscais, uma forma de incentivar a aceitação do crédito de forma célere para que o processo em si seja concluído mais rapidamente.
No que tange à recuperanda, o haircut não possibilita que esta simplesmente se exima de suas responsabilidades relacionadas aos valores em deságio, uma vez que ao analisar o instituto pela ótica tributária, a empresa recebeu um acréscimo patrimonial, já que não terá que dispender de tal quantia. Dessa maneira, o Judiciário nacional já entendeu que que tal acréscimo de patrimônio é tributável havendo incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, pois o lançamento contábil neste caso é de crédito de receita operacional.
Por isso, a proposição de deságio deve ser feita de forma racional e dentro das possibilidades plausíveis, tanto para o recolhimento dos impostos quanto para a aceitação dos credores e do Juízo responsável pelo processo.
Essa especificidade torna o processo de recuperação judicial trabalhoso e criterioso, obrigando os advogados terem pleno conhecimento e atuação no tema.
Com a colaboração de Luis Felipe Simão