Por André Jerusalmy – 01/04/2020
- INTRODUÇÃO:
Em tempos de crise, o acúmulo de dívidas é um dos principais (senão o principal) problema que assola as empresas. Além da necessidade de pagamento das despesas ordinárias para a manutenção do negócio, há também a preocupação com o pagamento da dívida obtida anteriormente e que foi parcelada ao longo do tempo. Mais ainda, o serviço das dívidas obtidas no passado pode tornar-se excessivamente oneroso ao longo do tempo caso a taxa de juros básica torne-se menor do que aquela praticada no momento da obtenção da dívida. Assim, uma dívida obtida em março de 2018, quando a SELIC era de 6,5% ao ano, provavelmente tornou-se onerosa nos dias atuais, tendo em vista que a SELIC se encontra no patamar de 3,75% ao ano.
Assim, no cenário de acúmulo de dívidas, via de regra a reestruturação da empresa envolverá medidas de redução das despesas operacionais e renegociação dos endividamentos obtidos. Todavia, referido endividamento pode possuir diversas naturezas e a sua renegociação poderá ter especificidades próprias à dívida e às condições pactuadas no momento de sua contratação, que poderão facilitar ou impossibilitar a renegociação desejada.
Pensando nisso, elaboraremos alguns artigos acerca de alguns dos principais títulos e o caminho que deverá ser seguido pelas empresas que necessitarem renegociá-las. O primeiro capítulo de referida série irá tratar sobre a renegociação de debêntures e notas promissórias, sendo que nos próximos capítulos trataremos da renegociação de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio, bem como renegociação de dívidas contraídas com instituições financeiras.
- DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE DEBÊNTURES E NOTAS PROMISSÓRIAS:
As debêntures e as Notas Promissórias (ou comercial papers) possuem muito mais semelhanças que diferenças. Ambas são títulos de dívida emitidos por empresas, e ambas podem ser emitidas por sociedades anônimas e negociadas em mercado de balcão. Todavia, ao passo que a Nota Promissória é um título de dívida de curto prazo, regulada pelo Decreto no 2.044/08 e por uma convenção internacional (Lei Uniforme em Matéria de Letras de Câmbio e Notas Promissórias, aprovada em Genebra em 1930, e promulgada no Brasil por meio do Decreto no. 57.663/66), as debêntures são títulos de dívida de longo prazo, definidas no art. 52 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.)[1]
Por fim, outra diferença relevante entre ambos títulos é que as notas promissórias possuem limitação do prazo para resgate (até 360 dias), enquanto as debêntures não possuem referida limitação.
- PROCESSO DE RENEGOCIAÇÃO DAS DEBÊNTURES E NOTAS PROMISSÓRIAS:
Apesar das diferenças entre ambos os títulos, as tratativas e estratégias de renegociação envolvido em ambos é bastante similar. Todavia, isso não significa dizer que o procedimento seja o mesmo, uma vez a depender das características envolvidas na emissão e do número de títulos em circulação, certas regras deverão ser atendidas (em especial aquelas envolvendo ofertas públicas). A seguir, iremos abordar duas das principais técnicas de renegociação de debêntures ou notas promissórias:
- Renegociação Direta com os Investidores:
Como qualquer título de dívida emitido, a empresa emissora deverá cumprir com certas obrigações com aqueles investidores que comprarem o título. Se por um lado a condução ordinária da remuneração (valores, prazos, correção, prêmio, etc) deverá ocorrer de acordo com a escritura de emissão, eventuais alterações envolvendo tais questões deverão ser tratadas não apenas mediante alteração de referida escritura, mas também ser objeto de deliberação prévia com os investidores.
É comum verificar que em pedidos de renegociação dos termos da emissão, seja realizada uma ou mais assembleias de credores, na qual o emissor deverá pormenorizar as razões que motivaram o pedido para renegociação dos termos do empréstimo, bem como convencer que o melhor caminho é a readequação de referido empréstimo.
Na hipótese de a renegociação não ser frutífera, a empresa emissora deverá permanecer com os termos do empréstimo inalterados, sendo que na hipótese de inadimplemento, é comum que as escrituras de emissão tragam alguma condição para o vencimento antecipado da dívida. Em outras palavras, isso significa que a empresa emissora deverá pagar a integralidade da dívida antecipadamente, o que poderá gerar efeitos indesejados ao caixa da companhia e/ou a execução de garantias, que podem ser ativos essenciais à companhia.
Eventual processo decorrente da execução de garantias eventualmente outorgadas deve ser objeto de detida análise não apenas pela companhia, mas também pelos investidores, pois apesar da garantia servir justamente para assegurar o devido pagamento, por vezes não é raro ver que garantias outorgadas no passado podem não representar a mesma coisa no momento de sua execução. Isso significa dizer que a depender das características da garantia, sua execução pode significar que os credores irão deter um ativo indesejado. Essa hipótese é relativamente comum quando analisamos situações nas quais as ações/quotas foram outorgadas em garantia, porém no momento da execução referidas ações/quotas podem vir acompanhadas de um liability (ou seja, dívidas de toda ordem).
- Recompra dos Títulos (Resgate Antecipado):
Outra hipótese comum na renegociação dos títulos objeto desse artigo é a recompra antecipada de referidos títulos pelo emissor (também conhecido como resgate antecipado). Nesse caso, seja em decorrência de uma decisão da direção que decidiu utilizar o caixa para quitar as dívidas, seja por uma mera “troca de papeis’ (trocar uma dívida mais cara por uma mais barata), a princípio não será necessária a concordância dos investidores reunidos em assembleia geral, uma vez que essa é uma prerrogativa da emissora. Todavia, as regras de resgate antecipado também deverão estar detalhadas da escritura de emissão a fim de evitar qualquer interpretação que prejudique emissor ou investidores.
Conforme ficou evidente acima, além dos cuidados básicos na leitura prévia dos termos da escritura de emissão, também é importante que empresa emissora e investidores estejam alinhados, a fim de promover uma reestruturação de referidas dívidas que permita à empresa emissora adequar os pagamento à sua realidade, bem como que proteja o investidor e evite que esse não receba o valor investido.
[1] Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado.