Por: Leonardo Neri
O Governo do Estado de São Paulo e a concessionária Ecovias acordaram, através de um Termo Aditivo Modificativo (TAM) preliminar, a prorrogação do contrato de concessão do Sistema Anchieta-Imigrantes, que tinha prazo contratual até 2024 e que passará a viger até 2033.
O acordo prevê o encerramento das ações judiciais existentes, proposta pelo Governo do Estado de São Paulo contra a concessionária, que deverá investir R$ 1,1 bilhão em obras de melhorias para a região da Baixada Santista e, em garantia, depositará ao Estado R$ 613 milhões.
O termo aditivo ou termo de aditamento, é o instrumento utilizado para incluir no texto de um contrato alterações apropriadas e indispensáveis. No caso, o aditamento prorrogou o prazo para execução do contrato de concessão.
Não é a primeira vez que o Estado de São Paulo utiliza do expediente com a Concessionária. Em 2006, o Governo do Estado de São Paulo celebrou o TAM nº 10 de 21-12-2006 do Contrato de Concessão CR/07/1998. Trata-se do contrato de concessão que tinha por objeto o Lote 22, Sistema Rodoviário Anchieta/Imigrantes, sendo a duração da concessão de 240 meses, ou seja, 20 anos.
Naquela época, o termo aditivo tinha a finalidade de reestabelecer o reequilíbrio econômico-financeiro, por extensão de prazo, prorrogando o contrato de concessão por mais 70 meses, , alterando o prazo do contrato para 310 meses, passando de 20 para 25 anos a concessão, devido aos seguintes fatores:
(i) alteração das leis relativas ao Imposto sobre Serviços – ISS nos Municípios por onde atravessam essas rodovias, o que modificou a cobrança de ISS às concessões;
(ii) majoração das alíquotas e bases de cálculo das contribuições relativas ao Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e ao Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); e
(iii) perda de receita decorrente de parcelamento do reajuste tarifário (reajuste menor que o índice contratado por alguns meses).
Após a celebração do Termo Aditivo com a concessionária, a fim de verificar a correção dos cálculos, em 2011 a ARTESP contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, concluindo que o cálculo do montante do desequilíbrio foi diferente daquele realizado nos anos contratuais anteriores a 2006 e a concessionária teria sido beneficiada indevidamente, com reequilíbrio maiores do que o devido – segundo os estudos da FIPE os prejuízos ao erário se aproximaram aos R$ 2 bilhões e, consequentemente, os contratos foram prorrogados sem necessidade.
Por isso, a ARTESP instaurou contra a concessionária processo administrativo de invalidação do TAM n.º 10 de 2006, do Contrato de Concessão CR/07/1998, posteriormente, judicializado, requerendo a sua anulação e que o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão fosse feito:
(i) tomando por base a receita efetiva, nos termos da lei e do contrato; e
(ii) aplicando-se, no tocante à compensação ambiental, o devido deflacionamento indicado pela FIPE.
Desde então, o Estado e a ARTESP lutavam para que fosse aplicado a correção apontada pela FIPE, sobre a receita real, entendimento uníssono do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme apelações nº 1014902-54.2015.8.26.0053, 12ª C., Rel. Souza Nery, j. 05.02.2020, v.m. 027267-77.2014.8.26.0053, 12ª C., Rel. Osvaldo de Oliveira, j. 13.11.2019, v.m.;1013617-60.2014.8.26.0053, 2ª C., Rel. Claudio Augusto Pedrassi, j. 25.06.2019, v.u.; 1017316-54.2017.8.26.0053, 13ª C, Rel. Djalma Lofrano Filho, j. 27.03.2019, v.u.; 1040986-29.2014.8.26.0053, 3ª C., Rel. Camargo Pereira, j. 17.04.2018, v.m.;1014891-25.2015.8.26.0053, 10ª C., Rel. Marcelo Semer, j. 21.05.2018, v.u. e a ECOVIAS defendia a manutenção da aplicação sobre a receita projetada.
Como se denota dos precedentes, razão assiste o pedido da ARTESP e do Governo do Estado de São Paulo, ademais, nota-se o evidente prejuízo causado ao erário, uma vez que as concessões foram prorrogadas indevidamente.
O tema ganha relevo, pois a Administração Pública pode utilizar seu poder de autotutela para anular ou revogar os seus atos, nos termos das Súmulas nº 346 (“A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”) e 473 (“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”) do Supremo Tribunal Federal e, em prestígio ao princípio da segurança jurídica, deve fazê-lo no prazo de 10 anos contados de sua produção, conforme artigo10, inciso I da Lei Estadual 10.177/98.
Ainda, a desnecessária prorrogação de 2006 revelada pela FIPE, é passível de anulação no âmbito judicial, ante o prejuízo aos cofres públicos, com fundamento no princípio basilar do Direito Administrativo, supremacia do interesse público sobre o interesse privado, uma vez que critério adotado em 2006 para o reajuste do contrato não o reequilibrou, apenas prejudicou a Administração em benefício da concessionária.
Já no âmbito do Poder Judiciário, o tema foi julgado no recurso de apelação interposto pela ARTESP e o Governo do Estado contra a empresa Concessionária e o Voto Vencedor é claro ao decidir pela revisão do aditivo para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, por meio de estudos, não sendo razoável a manutenção do prejuízo ao Poder Público (Voto nº AC-23.900/20).
O voto vencido, por outro lado, entende que se utilizado o critério da receita real – proposto pela ARTESP, a prorrogação da concessão para o reequilíbrio econômico-financeiro seria de 24 meses, contra 31 meses do reequilíbrio pela receita projetada, utilizada no TAM 10/2006. Para a Relatora, 07 meses não é considerado um prazo extenso quando se trata de concessão de rodovia, mas apenas nesse contrato com a Ecovias, o prejuízo da Administração Pública, calculado até o ano de 2012, era de R$ 58,98 milhões.
Analisando de uma maneira simplória, em 2012 o prejuízo que a concessionária causou ao erário foi de R$ 58,98 milhões, sem atualização.
No entanto, o voto 24696 da Apelação 1045799-02.2014.8.26.0053, sagrando-se vencedor o Estado de São Paulo e a ARTESP, deixa claro que:
O cenário econômico atual difere substancialmente daquele existente em 1998, quando realizada a concorrência vencida pela apelada. Naquele cenário garantiu-se contratualmente uma taxa interna de retorno – TIR de 20,60%a.a., que continua sendo garantida à concessionária em atenção aos princípios constitucionais do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica, bem como ao princípio da força obrigatória do contrato e da teoria da imprevisão. Porém, conforme apurado, em especial pelo relatório da FIPE, a base de dados utilizada para apuração do desequilíbrio de 2006 aumentou a TIR do Contrato de 20,60% a.a para 20,65% a.a. que, mantida, implicará recebimento de uma vantagem indevida de aproximadamente R$58,98 milhões de reais (valores para 2012). Os mesmos princípios que garantem à concessionária a TIR, aliados ao princípio da supremacia do interesse público, permitem a anulação do aditivo contratual que, a pretexto de reequilibrar a equação econômico-financeira do contrato original (então desfavorável à Concessionária), acabou causando novo desequilíbrio, desta vez em face do poder concedente. Rever atos administrativos ilegais é poder/dever do poder público (Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal). Houve erro insanável na celebração do TAM de 2006, consistente na utilização dos dados da receita fictícia e não da receita efetiva para manutenção da equação econômico-financeira do contrato, resultando em prazo de prorrogação contratual muito extenso e superior ao necessário.
Diante disso, desperta interesse a nova prorrogação do contrato com a Ecovias anunciado recentemente pelo Governo do Estado de São Paulo, no qual o Poder Público compromete-se com o encerramento da ação judicial que possui acórdão do Tribunal de Justiça Bandeirante favorável a tese Estatal.
Desta forma, contrariando o princípio da livre concorrência, a estabilidade jurídica das decisões administrativas e judiciais, bem como o inciso XXI, do artigo 37 da Constituição Federal, o Poder Concedente pretende corrigir o erro de 2006, por meio de novo aditivo que inviabilizaria a restituição de valores indevidamente pagos a Concessionária.
Tais valores recebidos indevidamente pela concessionária violaram os princípios das contratações públicas, uma vez que a coletividade foi onerada pela ação da Concessionária e pelo Poder Público que errou em 2006 e, tentando corrigir seu erro, comete outro.
Viola, indiscriminadamente, o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, norteadores da ordem econômica no qual tem por fundamento que a intervenção estatal nesse âmbito deve ser exclusivamente a fim de prevenir o abuso do poder econômico. Ao contrário, o Poder Público, celebrando um novo aditivo, privilegia o particular em face da concorrência de mercado, restringindo-a, com a prorrogação do contrato de concessão.
Ainda, ao deixar de iniciar novo certame licitatório, visto que a licitação é um processo de competição que tem como premissa a livre iniciativa, o Governo junto com a concessionária, limitam e impedem a participação e o acesso de outras empresas, que poderiam apresentar propostas mais vantajosas e com melhores técnicas.
A contratação de uma nova empresa ou a manutenção da atual para a gestão de rodovias, através de um novo certame licitatório, nada mais é do que um procedimento que tem por finalidade o exercício da concorrência, para que empresas aptas a esse trabalho apresentem suas propostas, sejam julgadas e habilitadas.
Em que pese a alegação dos investimentos na ordem de R$ 1,1 bilhão que serão feitos pela concessionária até 2033, é certo que outras empresas que poderiam participar de novo certame licitatório, também teriam a possibilidade de fazer esses ou maiores investimentos e o Estado ganharia não somente com uma possível melhor oferta, mas com a manutenção das ações judiciais.
A postura do Governo do Estado fere a Administração Pública e os potenciais concorrentes, e viola, também, os interesses dos consumidores e da sociedade, lesados por não existir, nesse caso, liberdade de escolha, já que a Administração Pública se reservou a privilegiar empresa ou grupo específico, mesmo com uma decisão judicial importante e favorável ao pedido de anulação do TAM de 2006.