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Julgamento do STF sobre a Convenção 158 da OIT e demissão imotivada

23 de janeiro de 2023

Por: Rafael Mello e Israel Cruz

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar julgamento que pode proibir a dispensa imotivada de empregado. Quais seriam os desdobramentos da conclusão desse julgamento?

Foi amplamente divulgado pela impressa nas últimas semanas a possibilidade de que o STF retome o julgamento quanto aos efeitos da ratificação do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual prevê a proibição de demissão de empregado sem “causa justificada”.

O processo que tramita perante o STF não é novo e discute a situação pela qual o Brasil aprovou, através do Congresso Nacional, em 1992 e ratificou pelo Poder Executivo em 1995 a Convenção 158 da OIT, seguindo-se em 1996 um Decreto 2100/1996 do então Presidente Fernando Henrique Cardoso que tornou pública a denúncia do Brasil da Co Convenção 158 da OIT. Veja:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, torna público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997, a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a 20 de novembro de 1996.

Assim, a discussão no STF é de caráter formal, isto é, se poderia o então Presidente Fernando Henrique Cardoso reverter o processo de aprovação e ratificação da Convenção da 158 da OIT quanto ao tema da dispensa imotivada, por decreto.

Atualmente o caso possui oito votos e três entendimentos possíveis sendo eles:

  1. Os Ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski entenderam que o então Presidente da República não poderia, sem a aprovação do Congresso, retirar o Brasil da citada Convenção. Assim, seria inconstitucional o decreto e o Brasil estaria submetido as regras de proibição da demissão imotivada;
  • Os Ministros Dias Toffoli, Nelson Jobim e Teori Zavascki entenderam que o decreto segue válido; e
  • Os Ministros Maurício Corrêa e Ayres Brito entenderam que a decreto precisaria ser referendada pelo Congresso e, portanto, caberia ao congresso a decisão quanto a manutenção ou derrubada do decreto.

Assim, restam votar os Ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça.

Vale ressaltar que os votos dos ministros aposentados ou falecidos permanecem válidos.

Adentrando aos efeitos práticos desse julgamento, cabe observar que que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) também já enfrentou o tema e decidiu de forma reiterada que a Convenção 158 da OIT possui caráter programático e, assim, depende de Lei Complementar para regulamentação e implementação de seus efeitos.

Veja, a própria Constituição Federal de 1988 já previa proteção do empregado à despedida sem justa causa que deveria ser regulamentada por lei e, enquanto não o fosse, aplicar-se-ia o, o inciso I do artigo 10 do Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Já são 35 anos e não parece que a ADCT tenha realmente um caráter transitório e nem que o Poder Legislativo tenha interesse em legislar sobre esse tema.

E por que isso é importante? Esse contexto histórico e político de como a mesma regra programática – defesa do empregado à dispensa imotivada – é tratada (ou não é tratada), indica que mesmo que o STF diga pelo entendimento de que a Convenção 158 da OIT deve ser considerada como integralmente aprovada e ratificada e que o Decreto 2100/1996 é nulo ou ineficaz, é certo que não passará a viger no Brasil, de imediato, um regime segundo o qual as empresas estarão proibidas de aplicar demissão sem justa causa, tampouco será encerrado o sistema pelo qual o FGTS e multa sobre o saldo fazem o papel de indenizar ou proteger o empregado da dispensa imotivada.

Em nosso sentir, nada irá mudar sem que haja lei regulamentando a Convenção 158 da OIT nesse particular, o que certamente depende do ambiente político e representação da vontade da própria sociedade, pois ficou evidente nas últimas décadas, que nem os sindicatos representativos dos empregados e nem as associações e federações que agem em nome das empresas, tiveram interesse em debater e alterar o regime transitório criado pela ADCT. Em outras palavras, os empresários têm medo de como essa inibição de dispensa imotivada seria regulada e os empregados, diga-se a verdade, não mostraram interesse em abandonar o regime pelo qual recebem uma multa fundiária em caso de dispensa imotivada.

Superado o apontamento de que não basta o julgamento do STF para que a realidade do país mude, sendo infundadas e exageradas as notícias que adotam tom alarmista a esse respeito, também é necessário destacar que, em tese, a regulamentação da impossibilidade de dispensa imotivada não trata propriamente de uma proibição de demissão de empregados ou de haver possibilidade de demissão apenas em casos de justa causa.

Na verdade, o conceito adotado pela Convenção 158 da OIT é o de que a empresa não poderá demitir sem haver um motivo, definindo-se na referida norma que a empresa pode, sim, demitir um empregado, desde que comprove que seu fundamento para a demissão deriva da “capacidade ou comportamento do empregado” ou, ainda, esteja “baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”. Em outras palavras, mesmo em casos que não se enquadram em situações de falta grave e justa causa, a empresa poderia demitir um empregado comprovando que falta de capacidade ou comportamento inadequado deste, ou ainda que a empresa necessita fazer a demissão, o que passa por critérios de necessidade operacional ou financeira.

Em suma, muito embora o julgamento do assunto no STF possa colocar fim à validade e eficácia do Decreto 2100/1996, o que, ao nosso ver, seria juridicamente a conclusão mais adequada, consequências práticas dependeriam de regulamentação pelo Congresso Nacional. Também de se registrar que o Congresso Nacional não depende do julgamento do STF para enfrentar o tema, pois estando o Brasil obrigado, ou não, a seguir a referida norma da Convenção 158 da OIT, o fato é que esse mesmo tema já está pendente de regulamentação desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por fim, a regulamentação da proteção aqui tratada não significaria um regime catastrófico e de restrição à livre iniciativa privada como os mais alarmistas propagam, mas de implementação de regra segundo a qual uma demissão precisa vir acompanhada de uma motivação, seja da capacidade ou comportamento do empregado, seja de necessidade financeira ou operacional da empresa.

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Rafael Mello

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