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COVID-19 – Considerações sobre força maior, imprevisibilidade e onerosidade excessiva

27 de abril de 2020

Por Antonio Mazzucco, Leonardo Neri e Rafael Mello – 27/04/2020

A ocorrência da pandemia do Covid-19 e o impacto dessa pandemia nos negócios com a impossibilidade de cumprimento de diversos contratos tem gerado inúmeras discussões sobre caso fortuito e força maior e sobre teoria da imprevisão e onerosidade excessiva. Trata-se de teorias que excluem ou atenuam a responsabilidade da parte decorrente do descumprimento total ou parcial de contratos e permitem a sua revisão ou mesmo a sua rescisão. Este artigo aborda questões práticas e recomendações para os empresários que possam auxiliar na busca de soluções.

Caso Fortuito e Força Maior – Questões práticas

A estipulação de caso fortuito ou força maior tem por finalidade excluir a responsabilidade da parte caso o inadimplemento seja decorrente de eventos supervenientes cuja ocorrência não poderia ser prevista no momento da contratação e cujas consequências estejam fora do controle da parte. É o caso, por exemplo, de desastres naturais. As cláusulas de caso fortuito e força maior podem ser mais simples ou mais complexas e podem prever a suspensão temporária do contrato, a prorrogação dos prazos contratuais, ou mesmo a possibilidade de uma ou outra parte optar pelo término do contrato. A eficácia das cláusulas de caso fortuito e de força maior depende, das circunstâncias concretas. É fundamental, portanto, (i) determinar se o evento ocorrido se qualifica, de fato, como caso fortuito ou de força maior, e (ii) estabelecer um nexo de causalidade entre o evento e o inadimplemento. A seguir detalhamos algumas situações.

Previsão legal: independente de previsão no contrato, o caso fortuito ou de força maior estão previstos no artigo 393 do Código Civil Brasileiro, que assim dispõe:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir.

Ainda, o artigo 399, também do Código Civil, confirma a necessidade da existência de nexo causal para eximir o devedor de responsabilidade pelo inadimplemento. Vejamos:

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Fica evidente, portanto, que, a regra geral legal é de que a ocorrência de evento de caso fortuito ou de força maior exclui a responsabilidade pelo inadimplemento, desde que não haja expressa responsabilização e, ainda, observadas as aplicações práticas.

Ainda que não seja necessário, é possível às partes estabelecer previamente eventos que podem ser considerados como força maior. No entanto, a dificuldade dessa previsão é evidente. Como prever a ocorrência de uma pandemia? Não se trata de uma questão de interpretação. O ônus da prova é de quem alega. Como se faz a prova do evento: demonstração da ocorrência do evento e do seu impacto que afetou o cumprimento da obrigação. A jurisprudência tem aceito a teoria do caso fortuito ou de força maior como argumento exclusivo de isenção de responsabilidade dos transportadores, diante da crise decorrente do Covid-19.

A força maior não exclui necessariamente a obrigação de cumprimento. A solução para o inadimplemento decorrente de eventos dessa natureza pode ser o cumprimento total ou parcial no momento oportuno, se ainda for possível, ou mesmo a rescisão do contrato. Portanto, embora se trate de um inadimplemento, comporta soluções que possam levar a parte a cumprir a obrigação.

Portanto, não é necessário o detalhamento no contrato da cláusula de caso fortuito ou de força maior, embora o contrato possa prever as suas consequências, tais como a rescisão ou outras. Pode também o contrato excluir a força maior como excludente de responsabilidade da parte. No caso de uma pandemia, há que se verificar se os efeitos ou as restrições estabelecidas como decorrência da pandemia efetivamente resultam na impossibilidade de cumprimento do contrato, ainda que parcialmente (Por exemplo, a impossibilidade de abertura de estabelecimentos comerciais, fechamento de fronteiras, etc).

Desnecessário que a cláusula de caso fortuito ou de força maior liste um ou mais eventos, embora possa fazê-lo. Isso não significa que a ocorrência do evento descrito irá necessariamente operar como excludente de responsabilidade. Há que se verificar a situação em concreto. Os elementos fundamentais é que os eventos sejam imprevisíveis ou, ainda que previsíveis, a mitigação dos seus efeitos esteja fora do controle das partes.

Determinação dos fatos: há que se verificar se o inadimplemento é efetivamente decorrente do evento de caso fortuito ou força maior, ou seja, o nexo de causalidade. Note-se que um evento que possa tornar a execução do contrato mais onerosa não caracteriza força maior. Outras disposições legais se aplicam nesse caso, podendo-se discutir a alocação desse ônus adicional.

Momento da ocorrência do evento e necessidade de notificação e providências imediatas: é de extrema importância que a parte que busque se eximir de responsabilidade com base na alegada ocorrência de evento de caso fortuito ou força maior, notifique a outra parte sobre a ocorrência do evento e tome todas as medidas que possam estar ao seu alcance para mitigar os efeitos do evento. Portanto, a ocorrência de evento de caso fortuito ou força maior não exclui a totalidade da responsabilidade da parte se esta não agiu de forma diligente para mitigar os prejuízos decorrentes da ocorrência do evento.

Obrigação de cumprimento parcial do contrato: caso o contrato não tenha sido rescindido e estipule múltiplas obrigações, essas obrigações devem continuar a ser cumpridas pela parte que pretenda se beneficiar da cláusula de força maior.

Checklist: Aplicação Prática.

Abaixo temos um guia prático para avaliação de situações tanto legais quanto comerciais em cada contrato para que se defina se cabe ou não a aplicação da clausula de caso fortuito ou de força maior.

  1. Ainda que não haja previsão contratual, a aplicação da teoria de caso fortuito ou de força maior é possível uma vez que prevista no Código Civil. Há que se verificar se o contrato não exclui a sua aplicação. Embora raro, isso é possível.
  2. Confirmada a ausência de cláusula excludentes, há que se atentar para os seguintes elementos:
  3. i) a natureza do evento;
  4. ii) o nexo de causalidade;

iii) os efeitos sobre as obrigações objeto do contrato;

  1. iv) a necessidade de comunicação; e
  2. v) a necessidade de se mitigar os efeitos do evento de força maior.

Note: mesmo que o contrato não contenha a obrigação de se mitigar os efeitos, isso é imperioso, conforme jurisprudência.

  1. A comunicação é importantíssima e deve ser realizada de forma mais complete e precisa de modo a permitir à outra parte que, se possível, tome providências. Deve-se atentar para eventual cláusula de comunicações e notificações que possam estar prevista no contrato. Caso inexistente, a comunicação deve ser dada por qualquer modo que possa ser comprovado.
  2. Caso se conclua pela inadequação da aplicação de força maior, deve-se buscar outras teorias legais que possam ser aplicar às circunstâncias, tais como teoria da imprevisão e onerosidade excessiva. Uma análise legal detalhada é importantíssima.

Jurisprudência sobre força maior. TJSP e STJ

No campo dos contratos de locação comercial, a jurisprudência não tem aceito por si só a tese de caso fortuito ou de força maior, sendo mais robusta a tese da imprevisibilidade e onerosidade excessiva, devidamente consubstanciada com elementos probatórios que indicam a tentativa do autor de provar sua condição de hipossuficiência, diante da situação atualmente vivenciada.

Nos contratos de transporte, os Tribunais estão decidindo em consonância com a legislação vigente, que já determina a exclusão de responsabilidade por danos causados pelo transportador de pessoas e coisas em decorrência de evento de força maior. Destaca-se, neste sentido, os artigos 734, 737 e 753, do Código Civil:

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.

Art. 753. Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador solicitará, incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo força maior.

Desta forma, em uma hipótese prática em que o transportador não possa concluir a entrega de pessoa ou coisa a que está obrigado a transportar em razão do fechamento de fronteiras para evitar o aumento da transmissão de COVID-19, inexistindo outra alternativa para cumprimento da obrigação e, ainda, sendo este um fato imprevisível, estará o transportador isento das responsabilidades por eventuais danos causados, ressaltando-se a importância da análise minuciosa do caso, de acordo com suas especificidades.

Como acima mencionado, as cláusulas de força maior têm por finalidade excluir ou atenuar a responsabilidade da parte pelo descumprimento de obrigações decorrentes de eventos imprevisíveis ou fora do seu controle. Necessidade de identificação do evento na cláusula?

Não há jurisprudência tratando de pandemia ou epidemia como excludente de responsabilidade. Na avaliação da situação, portanto, deve-se considerar as regras de quarentena e as restrições efetivamente impostas caso a caso. A epidemia não pode ser por si só considerada excludente ou justificativa para qualquer descumprimento.

A alegação de caso fortuito ou de força maior pode server seja para a rescisão quanto para a negociação de formas alternativas de cumprimento como a suspensão ou a prorrogação do contrato ou mesmo o seu cumprimento parcial. As consequências da rescisão podem ser demasiado severas e as partes podem preferir buscar soluções alternativas, inclusive considerando-se o princípio da boa-fé objetiva estipulado no Código Civil.

Na impossibilidade de aplicação de força maior, quais outras teorias excludentes podem ser utilizadas?

Na impossibilidade de as circunstâncias caracterizarem força maior, com dito, há ainda a possibilidade de se alegar teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva.

Teoria da imprevisão: Em regra, os contratos são inalteráveis, salvo por manifestação expressa de vontade das partes. No entanto, nos contratos de prestação continuada ou diferida, que não se encerram imediatamente, há possibilidade de surgimento de acontecimentos supervenientes, imprevisíveis e inevitáveis pelas partes, que modificam a situação fática da relação contratual e, consequentemente, impedem ou oneram o adimplemento das obrigações. Destaca-se do Código Civil:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

A doutrina legal sobre contratos tem como fundamento a cláusula rebus sic stantibus, que determina o cumprimento das obrigações pactuadas. Caso, porém, haja alterações significativas e imprevisíveis nas condições então vigentes, possível a renegociação. No entanto, nem toda alteração fática é considerada uma situação imprevisível às partes. Da mesma forma, não são todas as situações imprevisíveis capazes de interferir no cumprimento das obrigações contratuais.

Para saber como a atual pandemia pode influenciar e alterar suas contratações, será necessário analisar diversas especificidades contratuais e fáticas, lembrando que o fato imprevisível pode afetar ambas as partes contratantes, devendo ser aplicada a razoabilidade na adoção das medidas extraordinárias.

Onerosidade excessiva: A existência de um contrato, pautado no princípio da livre manifestação das partes, faz presumir a existência de equilíbrio relacional entre as partes. A ocorrência de eventos que que tornem o cumprimento do contrato excessivamente oneroso à uma das partes e inviabilizando a continuidade da relação, deve ser considerada.

A teoria da onerosidade excessiva está prevista no artigo 478 do Código Civil Brasileiro:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Além da possibilidade de resolução contratual, o Código Civil traz também a possibilidade de revisão das condições contratuais, promovendo, assim, a continuidade da relação (Artigos 479 e 480). Desta forma, é possível ao juiz a modificação das condições ajustadas, a fim de reestabelecer o equilíbrio entre as partes, evitando o favorecimento excessivo de um contratante, em detrimento do outro.

Quadro comparativo da Jurisprudência em relação as principais teses manifestadas diante da Covid-19.

Questões Extraordinárias. O que mais deve ser considerado pelos clientes que tiveram seus contratos impactados pela pandemia do Covido-19?

Em linhas gerais, em qualquer situação, a comunicação rápida e efetiva é importante em razão do princípio da boa-fé objetiva em face da outra parte. Há então que se atentar para as cláusulas do contrato em referência, mas também para os meios efetivos de comunicação considerando-se as circunstâncias. A obrigação de mitigar os efeitos é sempre um imperativo e independe da redação da cláusula em razão da boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva deve também ser considerada na solução de problemas decorrentes de eventos de força maior.

Em uma cadeia de suprimentos, os efeitos do inadimplemento decorrentes de eventos de força maior tendem a impactar todos os agentes da cadeia. Nesse caso aplica-se também, em função da boa-fé objetiva, a obrigação de esforços para mitigar os efeitos do inadimplemento.

 

 

 

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