Por Christian Fernandes Rosa e Beatriz Wehby – 25/03/2020
Os desdobramentos da pandemia do COVID-19 impactaram as relações sociais de todas as naturezas. E não foi diferente com os negócios jurídicos: contratos assinados já estão tendo sua execução afetada por esses fatos, onerando uma ou ambas as partes de maneira desigual. Isso ganha relevância ainda maior em contratações entre empresas privados e o Poder Público.
Mesmo no regime dos contratos em geral, entre particulares, o Direito oferece tratamento a essas circunstâncias. Em paralelo a seu tratamento jurídico, os contratos retratam a concordância das partes quanto a uma data relação de obrigações, de encargos e vantagens. Contratos expressam, em um dado negócio, quais riscos foram atribuídos a cada uma das partes. Essa relação entre riscos e sua remuneração estruturam o equilíbrio econômico-financeiro de um contrato.
Os efeitos negativos (desequilíbrios) causados pela epidemia nas parcerias entre agentes privados e a Administração Pública (União, Estados e Municípios) nos leva a buscar no Direito os parâmetros para a readequação do equilíbrio econômico-financeiro desses contratos. Estamos diante de uma situação extraordinária, imprevisível ou de consequências imprevistas, que afeta a equação financeira do contrato. Os contratos com o Poder Público podem sofrer variações no tema, a depender do regime a que se submetem. Mas, em geral, a frustração do agente privado ou custos adicionais que venha a ter em razão da epidemia são prejuízos econômicos sob o risco do Poder Público, pelo que poderá o particular apresentar um pedido administrativo de reequilíbrio econômico-financeiro.
O fundamento constitucional deste pleito de recomposição contratual está no inciso XXI do artigo 37 da Constituição. Ao prever que devem ser mantidas as condições efetivas da proposta, a Constituição evidencia esta noção de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos e demonstra que o particular contratado tem direito a preservar a proporção entre os encargos e a remuneração definidas inicialmente no acordo assinado, de maneira a que a contraprestação pecuniária paga ao particular se mantenham equivalentes àquelas condições estabelecidas na proposta. Diante de maiores encargos para execução do contrato, decorrentes da epidemia, é certo que terá direito constitucional a majorar sua remuneração, ou reduzir outros encargos previstos.
Merece ainda destaque a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 8.987/95. A primeira, norma geral para licitações e contratos com a Administração Pública, prevê dois meios de recomposição de preço: revisão e reajuste. O reajuste tem como espécies o reajuste por índices e a repactuação, que tem por finalidade recompor o preço do contrato em virtude da álea ordinária ou econômica, como efeito inflacionário. Importa neste momento o instituto da revisão, que exige a comprovação de um fato superveniente e extraordinário ou de consequências incalculáveis, de modo que o seu cabimento somente se opera em circunstâncias dessa natureza.
Esta última forma também está prevista na Lei nº 8.987/95, a lei das concessões (comuns) de serviços públicos, regime que admite alguma sofisticação no tema, sem afastar-se muito da regra geral, ao adotar uma matriz de riscos em que há impactos econômicos sob o risco do particular, enquanto outros – extraordinários – seguem a cargo do Poder Público contratante. Esta norma, prevê ainda, explicitamente, a revisão tarifária (como o pedágio, nas concessões rodoviárias) como meio de reequilibrar eventos danosos.
O enquadramento infraconstitucional dos pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro ganhou contornos mais amplos apenas com o advento da Lei nº 11.079 de 2004, a lei das Parcerias Público-Privadas (PPP’s) em sentido estrito. Dentre as inovações, houve um tratamento legal específico que possibilitou, em tese, a distribuição entre ambas as partes (empresa contratada e Poder Público contratante) de riscos antes reservados à Administração Pública, “inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária”, nos termos do seu artigo 5º, inciso III. Nestes casos, portanto, a análise concreta da distribuição de riscos de um dado contrato é fundamental para que se entenda em que medida estes riscos, ora enfrentados, foram repartidos entre as partes.
Mas, de maneira geral, os impactos econômico-financeiros causados aos particulares, contratados pelo Poder Público, pela crise relacionada a COVID-19 são riscos assumidos pelo contratante público. O efeito (marginal) negativo da epidemia no fluxo de caixa da empresa (como custos excedentes para desmobilização e nova mobilização, incremento exacerbado nos custos dos insumos da atividade, dentre outros) demanda em cada caso tratamento próprio. Mas são, em regra, passíveis de pedido de reequilíbrio econômico-financeiro perante o Poder Público contratante.
A equipe de Direito Público & Compliance do Mazzucco & Mello Advogados tem grande experiência em contratações público-privadas e está à disposição para quaisquer esclarecimentos sobre o modelo jurídico e normas de estruturação econômico-financeira desses contratos entre a Administração Pública e a iniciativa privada, bem como elucidar o devido enquadramento e medidas cabíveis, em tese, para resguardar os direitos das empresas contratadas pela Administração Pública.