Por Beatriz Wehby e Christian Rosa
Atualmente, há um consenso quanto à necessidade de que, em maior ou menor grau, agentes privados e o Poder Público cooperem para a prestação de serviços de interesse público. Essa interação, em prol da oferta de serviços à coletividade, necessariamente se dá por meio de instrumentos jurídicos, ajustes que formalizam a relação de obrigações entre as partes, e assim viabilizam a construção e operação de rodovias, ferrovias, sistemas de saneamento, geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, dentre outras tantas atividades necessárias para o bem-estar social e o desenvolvimento econômico. A estratégia funda-se no uso de recursos e expertise privados na prestação de serviços públicos, especialmente aqueles ligados à infraestrutura.
Essa contratação entre a Administração Pública e agentes de mercado é fruto de todo um processo que passa pela concepção e estruturação do projeto – um apanhado das características técnico-operacionais do empreendimento, a avaliação de sua viabilidade econômico-financeira (investimentos versus receitas) e a modelagem jurídica da licitação e relação contratual a ser formalizada.
Diante de uma realidade de necessidades ilimitadas, a Administração Pública (Federal, Estaduais e Municipais) nem sempre detém quadros e recursos suficientes para a elaboração própria dos projetos, necessários para a licitação e contratação de agentes privados. A alternativa seria a contratação de serviços de elaboração de projetos – o que é plenamente lícito e comum, mas também exige a disponibilidade de recursos financeiros próprios, orçamentários, da Administração Pública.
Também para a superação desse limitador, o Direito Público brasileiro traçou um instrumento que se coloca como uma alternativa para os agentes públicos que pretendem mitigar suas insuficiências técnicas ou orçamentárias, e ainda assim valer-se da expertise e recursos privados para a elaboração de projetos de infraestrutura – tipicamente marcados por um certo grau de complexidade.
É neste contexto que a Administração Pública tem à sua disposição alternativas para a modelagem de projetos e assim pode, formalmente, contar com a participação de parceiros privados na modelagem dos projetos públicos, como forma de alinhar as expectativas do governo e de um possível parceiro privado a respeito de como montar o projeto.
Sem prejuízo das alternativas tradicionalmente disponíveis ao Poder Público como a realização direta dos estudos internamente, a celebração de convênios ou acordos com este objeto junto a outros entes públicos, ou ainda contratar os estudos e pesquisas por meio de procedimento licitatório, a legislação contempla a possibilidade de que a Administração Pública venha a autorizar a elaboração de projetos por meio do chamado Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada (MIP).
Trata-se de procedimento público, formal, caracterizados pelo chamamento público para a obtenção de estudos necessários à elaboração do edital de licitação de determinado projeto de concessão ou parcerias público-privadas. O nome e procedimento variam de acordo com o ente federativo.
Em geral, o PMI é para casos em que a iniciativa é do Poder Público, que já tem um projeto em vista e abre aos possíveis interessados a apresentação de estudos, levantamentos e pesquisas necessários à sua implantação.
Em contrapartida, a MIP é para casos em que o setor privado toma a iniciativa de desenvolver estudos e pesquisas para demonstrar a viabilidade econômico-financeira de determinado projeto para o ente público, de forma inaugural.
Relevante, aqui, recobrar que o artigo 21 da Lei nº 8.987 de 1995 foi o primeiro dispositivo legal a permitir que os entes privados solicitem autorização da Administração Pública para realizar estudos, levantamentos, pesquisas ou investigações de utilidade para as licitações. A regulamentação de fato do PMI deu-se apenas em 2015, com a expedição do Decreto nº 8.428. A norma assina que, em tal procedimento, o particular – seja pessoa física ou jurídica – elabora e apresenta à Administração Pública projetos, estudos, levantamentos ou investigações relativas a determinado projeto já definido como prioritário pelo Poder Público.
Os estudos são realizados sob a responsabilidade técnica e financeira dos interessados privados e, submetidos à avaliação do setor público, podem ou não ser aproveitados em futura licitação para a contratação de Concessão Comum ou de Parcerias Público-Privada.
Em geral, dois tipos de agentes privados costumam participar dos procedimentos. De um lado, as consultorias, que tem por objeto a atuação no mercado de modelagem de projetos, e, de outro, os potenciais licitantes – agentes de mercado interessados na estruturação e ampliação de oportunidades de mercado pelas quais, em segundo momento, poderão concorrer.
O incentivo a tais agentes é claro: como participam da preparação de estudos, preparam-se com maior antecipação para subsidiar seu – possível – ingresso num futuro certame, e assim podem deter alguma vantagem comparativa lícita frente os demais.
Quanto à vantajosidade, de um lado, a Administração Pública ganha ao estimular um procedimento que estima pela transparência. Pois, o PMI se trata de uma fase prévia à licitação e, portanto, garante que o objeto do investimento seja de conhecimento público e tenha aderência às expectativas do mercado desde o início.
Ademais, a publicidade e transparência do procedimento durante o chamamento público contribuem para a idoneidade e regularidade dos projetos e futuras contratações. O procedimento provê segurança jurídica ao investidor, ao mesmo passo que protege os agentes públicos.